Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>A miudeza do dia-a-dia
>>Severino e a mídia

A miudeza do dia-a-dia


Começa a faltar gás na cobertura política, tamanha a quantidade de frentes abertas. Isso já aconteceu em outros momentos da crise do “mensalão”, mas agora parece ter-se aberto uma brecha por onde finórios se infiltram e o governo Lula constrói um esquema escapista. À força de colar o nariz no jornalismo declaratório, a imprensa perde perspectiva.


A Folha de S. Paulo publica nesta terça-feira, 13 de setembro, um calendário de 100 dias da crise, mas não consegue extrair da massa de fatos um sentido político mais amplo. É o contrário do que faz o professor Roberto Mangabeira Unger em sua coluna na mesma Folha. Seu texto de hoje tem o sopro de uma visão grandiosa e original. Mas fica distante do drama concreto vivido pelo país.


Na onda do espetáculo


A ascensão do personagem Sebastião Buani, que ora aparece com a bela mulher num depoimento, ora se veste como gângster francês, é uma lição viva do processo de espetacularização da política por intermédio da mídia. Hoje se noticia que ele recebeu propostas de cinco partidos para sair candidato nas próximas eleições.


Severino e a mídia


O Alberto Dines anuncia que a relação de Severino Cavalcanti com a mídia será o tema do Observatório da Imprensa na televisão de hoje à noite.


Dines:


Mauro, tudo começou em fevereiro com um desconhecido deputado pernambucano, chamado Severino Cavalcanti, que saiu dos porões do baixo clero para alçar-se à presidência da Câmara. O país despertou para o tamanho da degradação política. Sete meses depois, Severino Cavalcanti ai está, servindo de boi-de-piranha para distrair a imprensa e dar fôlego ao governo. A imprensa parece que cansou, começou muito apressada, agora está de língua de fora.


Se as denúncias contra Severino tivessem sido melhor investigadas pelos semanários, o presidente da Câmara estaria agora a caminho da guilhotina. Não está. E quanto mais demora para chegar ao cadafalso da cassação mais tempo terá o governo para recompor-se antes do ano eleitoral. Quando eleito, imaginou-se que Severino seria no máximo uma figura folclórica para inspirar os cartunistas, hoje o presidente da Câmara é peça chave do processo político. Derrubado, as CPI’s poderão rapidamente produzir resultados. Encastelado no poder, travará tudo, principalmente o processo de saneamento político ora em marcha.


Severino versus imprensa é o tema da edição de hoje do Observatório da Imprensa. Às 10 e meia da noite, na Rede da TVE, às 11 na Rede Cultura.


Palavras pomposas, prática pífia


A Polícia Federal abriu sindicância para apurar se houve excessos no ato da prisão de Flávio Maluf, no sábado. O repórter César Tralli, da Rede Globo, estava disfarçado de policial, como mostra hoje a Folha, e filmou a colocação de algemas em Flávio Maluf. William Bonner leu ontem no Jornal Nacional um pequeno editorial em defesa de Tralli. A Globo comportou-se como Lula, José Dirceu e outros dirigentes petistas: usou a retórica para defender o indefensável.


Bonner evocou de modo grandiloqüente a liberdade de imprensa, que não tem nada a ver com o comportamento antiético clássico de se fazer passar por policial. E louvou um “furo” que não houve. Tralli simplesmente foi avisado por amigos da polícia e do Ministério Público e apressou-se a gravar o espetáculo feito sob medida. E os chefes de Tralli não hesitaram em colocar a reportagem no ar.


Um dos sinais sérios de mudança na sociedade brasileira aparecerá no dia em que a Rede Globo reconhecer que erra, e não apenas cobrar isso dos outros. Quem não erra nunca é Maluf, é Severino, é Lula, é a estética e a ideologia de Duda Mendonça.


(Ver o que escreveu Luiz Weis em 11 de setembro: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs/verbosolto.asp )


Blindagem total é ilusão


Míriam Leitão chama hoje no Globo a atenção para a idéia falsa de que possa existir uma economia completamente imune às conseqüências da crise política. Escreve Míriam: “A crise já está cobrando uma parte da conta: este ano poderia ter sido o melhor do governo Lula e o país vai crescer menos que os vizinhos e menos que o mundo”.


A “blindagem total” é uma idéia tentadora num país em que o imaginário coletivo oscila entre pessimismo e euforia. Serviria de consolação: o Brasil tem um sistema político cheio de problemas, mas a economia não pára de se aperfeiçoar e fortalecer. Como se a corrupção na política não tivesse estreita ligação com a corrupção nas empresas privadas e públicas. E como se tivesse havido avanço na solução do maior problema social do país, que é a pobreza filha da desigualdade.



Cineasta lúcido


Ruy Guerra dá hoje no Globo uma boa entrevista a Mauro Ventura. Questiona o sentido dos festivais de cinema mais badalados, em que o público deixou de ser de cinéfilos e passou a ser de turistas. E discursa contra o embelezamento da realidade em filmes brasileiros. Uma frase merece ser reproduzida: “A câmera tem sempre uma ideologia”.