Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

>>A política da avestruz
>>A mídia no pódio

A política da avestruz

A Folha de S.Paulo publica hoje a fotografia de uma manifestação realizada em São Paulo no domingo, para pedir punição aos torturadores que atuaram nos organismos de repressão política durante a ditadura militar.

Apenas a fotografia e um texto curto, sem mais referências.

Os outros jornais, nem isso. Ignoraram completamente o acontecimento.

Desse modo, o tema da abertura dos arquivos sobre o período do regime de exceção, reclamado por parentes de mortos e desaparecidos e por pesquisadores, vai sendo varrido para baixo do tapete da História.

Sob o olhar complacente da mídia.

A única exceção da chamada grande imprensa é a revista Carta Capital.

Em sua edição desta semana, a revista entrevista o juiz espanhol Baltasar Garzón, que foi responsável pelo processo que condenou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet.

E reproduz o conteúdo da reunião que ocorreu no dia 7 de agosto no Clube Militar do Rio, quando militares da reserva protestaram contra a possibilidade da abertura de processos contra torturadores.

O texto é quase cômico, não fosse o fato indiscutível de que os autores das declarações ali reproduzidas conseguiram intimidar o governo e estão sendo levados a sério pela imprensa em geral.

Com base em uma gravação de 133 minutos, Carta Capital retrata uma espécie de delírio que parece ter tomado posse dos participantes no evento do Clube Militar.

Um delírio muito semelhante ao estado de espírito que se apossou do Estado brasileiro durante vinte anos, produzindo o período mais nefasto da história política do País.

Para alguns leitores, pode parecer incompreensível que a imprensa esteja tentando impedir que manifestações pela punição de torturadores sejam levadas a público.

Pelo menos para que o tema seja devidamente discutido pela sociedade civil.

Afinal, é senso comum que um dos papéis do jornalismo seria ajudar a sociedade a juntar no cotidiano os fatos relevantes que vão compor a História.


Mas tudo indica que, como em outros assuntos nos quais se sente desconfortável, a imprensa prefere fingir que o acontecido não aconteceu.

A mídia no pódio

A imprensa brasileira entrou no jogo ufanista do Comitê Olímpico Brasileiro, comemorando resultados de fantasia nos Jogos de Pequim.

Destaque para uma reportagem do Globo sobre os gastos astronômicos para a conquista de um punhado de medalhas.

Alberto Dines:

– O Brasil é uma democracia, mas o presidente do COB, Comitê Olímpico Brasileiro, pensa que em matéria política somos como a China, onde a mentira se impõe porque ninguém ousa dizer a verdade. O balanço sobre a participação brasileira nestas Olimpíadas é – para dizer o mínimo – ilusório. O presidente Carlos Artur Nuzman declarou que esta foi a melhor participação brasileira na história das Olimpíadas. Não é verdade: tivemos menos dois ouros do que em Atlanta, embora a nossa delegação agora tenha sido bem maior.

Também é suspeito o critério de avaliação utilizado pelo COB, aliás copiado do americano, onde o número total de medalhas é o que conta e não as de ouro. Soltar fogos só porque afinal conseguimos ficar à frente de Cuba é puro cinismo. A situação política da ilha e não o desempenho dos seus atletas foi a responsável pela debacle esportiva do país.

Numa excelente matéria de primeira página, ontem o Globo ofereceu números preocupantes sobre os nossos investimentos nos esportes olímpicos. Cada medalha que conquistamos custou 53 milhões aos cofres da União.

É muito dinheiro para tão poucas medalhas e isso prova que toda a estrutura do esporte amador precisa ser refeita e ampliada. Com investimentos apropriados teremos mais competições e com mais  competições a mídia se sentirá estimulada a oferecer uma cobertura ao longo de todo o ciclo olímpico e não apenas na fase final.

Ficou evidente também que embora este seja o país do futebol masculino, só conseguimos na modalidade um modesto bronze,  ao contrário das meninas, que ficaram com a prata. E brilhamos no vôlei com três pódios. São fenômenos que a mídia não deveria ignorar. Cabe a ela manter o espírito olímpico sempre aceso, mesmo que dentro de alguns dias a chama olímpica seja apagada.