Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

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A usina sumiu dos jornais


De repente, não mais que de repente, a imprensa abandonou a polêmica sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu.


Depois de acompanharem com especial atenção o leilão do dia 20, no qual uma intricada conjunção de interesses acabou por superar a torrente de recursos judiciais que ameaçavam bloquear a escolha do consórcio vencedor, os jornais apenas registraram, no sábado, dia 24, que a construtora OAS resolveu se integrar ao projeto e que outras grandes empreiteiras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, poderiam ainda voltar a participar da construção.

Entre as revistas semanais de maior circulação, Época decidiu pela cautela e fugiu do assunto em sua edição desta semana.


Muito provavelmente, seus editores consideraram a possibilidade de o tema evoluir depois que a revista fosse para a gráfica, o que realmente ocorreu, o que deixaria qualquer tentativa de reportagem sob risco de ser desmentida ou desatualizada imediatamente após a publicação.


Veja resolveu arriscar e apostou num texto de crítica ao governo, afirmando que as incertezas durante o leilão haviam deixado de fora os maiores grupos privados, teoricamente mais capacitados para tocar a obra.


Veja errou. No final da tarde de sexta-feira, a reportagem já estava superada, grandes grupos confirmavam seu interesse na construção da usina e todos os argumentos alinhados pela revista ficavam sem fundamento.

O assunto volta nesta segunda-feira, mas com muito menos repercussão do que na semana passada, quando se manteve em destaque durante quase todos os dias.


Volta por conta de uma manifestação da senadora Marina Silva, pré candidata à Presidência da República, em seu artigo na Folha de São Paulo.


Marina, que uma semana antes havia declarado publicamente  não ter opinião formada contra a construção da usina, defende uma reestruturação do sistema elétrico nacional, em busca de maior eficiência e menos desperdício, antes da retomada de grandes obras.


Fora isso, nenhuma linha nos jornais.


De repente, o debate esvaiu-se no ar.

A entrevista aloprada


Alberto Dines:


– Foi a entrevista do ano, a bomba do ano ou a mais barulhenta rajada de metralhadora de um ano eleitoral recém iniciado. A entrevista do deputado Ciro Gomes, ex-futuro candidato socialista (PSB) à presidência da República, foi concedida na noite de quinta, 22/4, divulgada na manhã do dia seguinte com grande destaque no portal Último Segundo, foi vedete do noticiário do fim de semana no resto da mídia e, pelo teor, está fadada a servir de munição até outubro ou novembro.


O que disse não interessa – pertence exclusivamente aos observatórios político-eleitorais –, mas o que interessa são as circunstâncias jornalísticas que os meios de comunicação não quiseram, não puderam ou não têm o hábito de assinalar.


Em primeiro lugar: a entrevista foi assinada pelo jornalista Eduardo Oinegue, responsável pelo portal. Em segundo lugar: o “Ultimo Segundo” não esconde, ao contrário, gaba-se das conexões acionárias com setores do governo federal. Chegou mesmo a empreender uma limpeza ostensiva no seu quadro de colaboradores e parceiros, eliminando qualquer possibilidade de pluralismo. Em terceiro lugar: o entrevistador sabia que o entrevistado seria fritado – ou cristianizado – nos próximos dias como segundo candidato da base aliada à sucessão do presidente Lula.


Sabia, como todos os cidadãos que acompanham o noticiário político, que Ciro Gomes não cultiva o estilo sutil. Por acaso supunha que o deputado paulista-cearense viria com um discurso resignado? Ou a finalidade da entrevista era justamente provocá-lo para um destempero e justificar o cartão amarelo dos próximos dias? Qualquer que tenha sido a motivação política da entrevista, Ciro Gomes realizou a façanha de acabar com uma chatíssima disputa “plebiscitária” centrada em alfinetadas ou, o que seria pior, em ações de aloprados.


Ainda no carnê de avaliações jornalísticas:


** O destaque dado à entrevista na home-page do Último Segundo na manhã de sexta, 23/4 evaporou-se mais rapidamente do que soe acontecer no jornalismo digital. No início da tarde, o portal já havia esquecido o conteúdo das bombas de Ciro Gomes e cuidava apenas da repercussão (contra).


** A Folha no dia seguinte, sábado, 24/4, estava visivelmente enciumada: os opinionistas oficiais da Casa prontamente minimizaram a importância do pronunciamento. No passado, este tipo de comportamento era chamado no jargão das redações de “brigar com a notícia”.


** Comprometida em contextualizar o noticiário e, sobretudo, esclarecer o leitorado mais jovem, nossa imprensa esqueceu de fazer no sábado ou domingo um perfil pessoal de Ciro Gomes. Até para justificar  um eventual descaso pelo que disse. Os jornais não se esforçaram nem conseguiram distinguir-se dos portais de notícias. É o que a nova Ouvidora da Folha, Suzana Singer, chamou de harakiri coletivo  dos jornais impressos (ver ‘Em busca do leitor real’, para assinantes).


** Ninguém se interessou em explicar a origem do verbo “cristiniazar” que hoje poderia ser traduzido como “crucificar politicamente”. Foi o que aconteceu com o PSD em 1950, que lançou Cristiano Machado à sucessão de Dutra mas votou em Getúlio Vargas do PTB.


** Idem, no tocante à curiosa e contraditória pré-história do Partido Socialista Brasileiro que começou em 1945 como ala da conservadora UDN batizada como Esquerda Democrática porque não admitia apoiar o totalitário Getúlio Vargas perseguidor dos socialistas durante o Estado Novo. Este percurso genealógico seria de grande utilidade para o eleitor que em 2010 porventura estranhe a presença de Paulo Skaf e Gabriel Chalita na lista do PSB.