Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>De volta à vida real
>>Olhando de lado

De volta à vida real


A festa acabou, o povo sumiu, e, enquanto os opinadores de sempre repetem as adivinhações de todos os dias sobre o futuro do Brasil, a política brasileira volta aos poucos à rotina dos últimos anos: mais escândalos.


Desta vez, é a Folha de S.Paulo que brinda a ressaca eleitoral dos brasileiros com novas revelações de gravações de conversas feitas pelos investigadores do caso Satiagraha.


Segundo o jornal paulista, estão de posse da Polícia Federal as provas de que deputados, senadores e dirigentes de partidos tinham relações muito amistosas com o grupo do notório banqueiro Daniel Dantas.


Por conta de interesses comuns na criação de gado, aparecem nessas conversas gravadas a senadora Kátia Abreu, do Partido Democratas e o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, do PMDB.


O tema da maioria das conversações era um leilão de gado em Uberada, organizado pelo ex-cunhado de Dantas e seu braço direito, Carlos Rodenburg, para o qual foram convidados todos os parlamentares da chamada bancada ruralista.


Mas o material em posse da Polícia Federam indica que o executivo do grupo Opportunity tinha outros interesses a tratar com alguns dos convidados, como o senador do Partido Democratas Heráclito Fortes e o ex-presidente do partido Jorge Bornhausen.


Além disso, aparecem nas conversas, entre outros, os ex-deputados do PT Luiz Eduardo Greenhalgh e Sigmaringa Seixas.


A Folha não entra em detalhes, mas Rodenburg representa a extensão do Opportunity na pecuária.


O grupo de Daniel Dantas vem investindo em grandes fazendas de criação de gado na Amazônia, comprando terras em regiões próximas a reservas florestais.


Recentemente, as pressões da bancada ruralista provocaram o abrandamento das punições aos proprietários que desobedecem a legislação ambiental.


A Folha deu curso ao resultado dos grampos e faz um favor aos leitores ao expor os parlamentares suspeitos de manter relações de negócios com Dantas.


Mas podia ter caprichado um pouco mais, para mostrar à sociedade como esse consórcio de cavalheiros pode prejudicar o País.


Olhando de lado


Alberto Dines:


– Ao votar ontem pela manhã em S. Bernardo, o presidente Lula da Silva gabou-se de que estas eleições ‘foram atípicas porque ninguém falou mal do governo federal’. O presidente é hábil, gosta de antecipar-se, mas agora foi apressado, apressado e incorreto: quem deveria criticar o governo federal e mais precisamente  a Presidência da República, é a imprensa. E a nossa imprensa não abriu o bico simplesmente porque tem medo do presidente. Medo este agravado pela catástrofe financeira mundial que logo deverá envolver os grandes e médios grupos de comunicação.


A grande verdade é que também nestas eleições o presidente Lula interferiu indevidamente em favor de seus candidatos. Em 2004, também em S. Paulo e também em favor de Marta Suplicy, o presidente chegou a ser multado pela Justiça Eleitoral, fato inédito. A interferência de agora começa com o estranho  ‘licenciamento’ de Gilberto Carvalho, chefe do Gabinete da Presidência da República, para participar da coordenação da campanha da candidata petista.


O que significa exatamente este licenciamento? As pessoas de repente esquecerão que Gilberto Carvalho é um dos mais próximos assessores da Presidência e que dentro de dias voltará a ocupar o gabinete vizinho ao do presidente? Licenciamento significa apenas abrir mão do salário por alguns dias? A imprensa engoliu o fato, sequer o estranhou, mas devia: talvez não constitua infração, mas foi impróprio, indevido, antiético.


Também as duas manifestações ostensivas em favor da sua candidata foram irregulares. Insinuar que Marta militou na campanha pela liberdade (ao contrário de Kassab) é incorreto, ela só filiou-se ao PT em 1983 e até 1995 envolveu-se apenas com a sua carreira profissional. E aquela história do Dia Nacional da Hipocrisia justamente quando a sociedade revoltava-se com a baixaria contra a vida pessoal do adversário, não é o que se poderia chamar de ‘jogo limpo’. O Presidente da República é eleitor, vota, tem direito a preferências, mas é antes de tudo um magistrado, cabe a ele dar o exemplo de isenção, equilíbrio. Nossa mídia tem muitas culpas no cartório, está à beira do abismo. Por isso preferiu olhar para o outro lado.