Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Debate sobre raça precisa ser ampliado

Debate sobre raça precisa ser ampliado


O Estatuto da Igualdade Racial saiu do Senado e espera vaga para tramitar na Câmara dos Deputados. Em janeiro, o articulista da Folha de S. Paulo Demétrio Magnoli escreveu, sob o título “Constituição do racismo”, que sua aprovação fará com que a nação deixe de ser “um contrato entre indivíduos para se tornar uma confederação de ´raças´’.


Célio Borja, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, ex-ministro da Justiça e ex-presidente da Câmara dos Deputados, em princípio não concorda com a idéia de que o Estatuto seja inconstitucional, mas faz uma advertência sensata.
Borja:


– Ele teria razão, e pode vir a ter razão, se esse critério de favorecimento de determinados grupos sociais, pela cor da pele, ou pela origem étnica, for excludente. Por exemplo, “só pretos”, “só pardos”, “só brancos”, “só indígenas”. Isso é difícil de acontecer entre brancos e negros. É muitos fácil de acontecer entre indígenas e brancos. Eu fui o relator, na Câmara dos Deputados, do primeiro Estatuto do Índio, na década de 1970. E o grande problema que eu tinha que enfrentar é que havia os grupos de antropólogos, filósofos, sociólogos que, ao reservar para os índios determinados bens, excluindo, portanto, os não-índios, também enclausuravam os índios. “Índio não pode se misturar. Se uma mulher índia quiser se casar com um não-índio, isso é proibido”. Se a adoção do critério étnico for excludente de outros, dos bens da vida, dos valores, que devem ser comuns a todos, aí, sim, ele tem toda a razão. Daí a delicadeza dessa operação. Isso não é para qualquer um, não. Isso é para quem tenha não apenas conhecimento jurídico, mas tenha uma extraordinária sensibilidade social e uma capacidade de previsão, que é própria do estadista.


Mauro:


Na visão da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, muito vai depender da maneira como os dispositivos da nova legislação forem trabalhados e apresentados. Isso mostra a responsabilidade da mídia, que de modo geral opina contra o Estatuto e a política de cotas, nele prevista.


Matilde Ribeiro:


– O Estatuto, na nossa avaliação, não fere a Constituição. Ele se soma à Constituição, no sentido da garantia do princípio da igualdade, de respeito às diferenças e garantia de direitos independente de credo, idade, raça, etc. Esse é o ponto de partida para o Estatuto. Em relação às interpretações e à aplicabilidade que ele possa ter, depende muito também de como nós poderemos trabalhar campanhas de conscientização, ações assertivas, com instituições formadoras de opinião.


Mauro:


– O senador Rodolpho Tourinho, do PFL da Bahia, foi um dos relatores do Estatuto. Os outros dois foram colegas seus do PFL: Roseana Sarney, Maranhão, e César Borges, também Bahia. Os três são de estados em cujas capitais há forte presença de população negra. Tourinho defende a proposta, feita originalmente pelo então deputado e hoje senador Paulo Paim, do PT gaúcho.


Tourinho:


– Inclusive acrescentei mais dois capítulos que julgava essenciais ao Estatuto, que era a questão da mulher negra e a questão da religião de matriz africana. E acho que isso eram coisas muito próprias da Bahia e para a Bahia. Foi aprovado por unanimidade no Senado. Muitos dos que são contra o Estatuto da Igualdade Racial alegam que não há discriminação racial e que aliás é esse Estatuto de alguma forma que poderia promover a discriminação. Isso no meu entendimento é farsa, que não pode ser levada a sério.


Mauro:


– O antropólogo Roberto DaMatta entra na discussão com a humildade da dúvida intelectual que é certeza de uma reflexão inteligente. Mas tem posição clara.


DaMatta:


– Não existe nenhuma lei que seja completamente defensável ou completamente indefensável. Todas as leis são arbitrárias. Toda regulamentação tem um ponto de partida. Esse ponto de partida não é onisciente. É uma perspectiva.


Se o camarada é negro, ele está no movimento negro, se os negros do Brasil construíram a sociedade e foram explorados, escravizados, torturados, chicoteados, o Estatuto chama a atenção.


É melhor você ter um sistema de cotas que é uma coisa escrita por mim, por você, por outras pessoas, do que ter um sistema implantado no coração que nunca foi discutido por ninguém, que era o sistema tradicional de lidar com as chamadas pessoas de cor no Brasil. Que é assumir que são pessoas boas até que eles digam alguma coisa, aí nós ou mandamos prender ou falamos que o cara é antipático e revoltado. Era isso que a gente fazia.


As entrevistas de Célio Borja, Matilde Ribeiro, Rodolpho Tourinho e Roberto DaMatta podem ser lidas em aqui.


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