Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Fatos é que assanham a mídia
>>Cenas de 30 anos atrás

Fatos é que assanham a mídia


A rapidez com que se formaram na imprensa nuvens sobre a cabeça do ministro Antonio Palocci pode dar a impressão de que os jornalistas se deixam levar por uma espiral de linchamento midiático, sobretudo no momento em que valentões retóricos já se apressam a pedir o afastamento do presidente da República. Hoje, a Folha dá destaque a um libelo do professor Mangabeira Unger na linha de Diogo Mainardi, colunista da Veja. Ambos querem pôr fim ao governo Lula.


A mídia pode estar assanhada, mas não inventou os fatos que colocam Palocci contra a parede. Assim como não inventou os que levaram à queda de José Dirceu, José Genoíno, Luiz Gushiken, os aliados Roberto Jefferson e Severino Cavalcanti, entre outros, menos notórios.


Trevas de Santo André


O assassinato do prefeito Celso Daniel é um episódio que só fica mais obscuro com o passar do tempo. Os depoimentos no Congresso tornam mais evidentes conflitos entre a polícia paulista e o Ministério Público. A mídia segue a reboque. Um dos presos ouvidos ontem diz que foi torturado.


O mistério da fita da tortura


Não pode haver quem tenha visto a fita de vídeo com cenas de tortura num trote de sargentos do 20° Batalhão de Infantaria Blindado sem se perguntar como ela foi obtida pelo Fantástico.


A falta de qualquer menção à forma como o vídeo chegou à Globo retira transparência do episódio jornalístico. Omissão que contribui para aumentar a sensação de opacidade que no Brasil envolve quartéis e redações, entre muitas outras instituições ou instâncias da vida pública.


Esse trote foi chocante, mas não foi pior do que um dado por estudantes de Medicina da USP em1999, quando morreu o calouro Edson Tsung Chi. E a reação do Exército, segundo o coronel da reserva Geraldo Cavagnari, pesquisador da Unicamp, foi nítida e inquestionável: afastar os envolvidos e o comandante e passar o caso para a Justiça Militar.


Cenas de 30 anos atrás


O Alberto Dines faz o elo entre o episódio atual e outro, do tempo da ditadura militar.


Dines:


– Mauro, você tocou numa questão crucial. Quem forneceu à TV Globo o vídeo do trote dos sargentos? Foram as vítimas? Foram os agressores, que se divertiam com o seu sadismo? Foram os oficiais superiores? Não é a primeira vez que a mídia recebe uma denúncia clandestina feita por terceiros e deixa de informar como a obteve. Aqui não se trata de proteger a fonte de uma investigação jornalística mas de obstruir a justiça, já que a revelação do nome do intermediário será inevitável. No caso do vídeo da propina nos Correios entregue à Veja a verdade apareceu logo em seguida com a confissão do araponga em plena CPI.


O Exército terá que punir os responsáveis pela violência num quartel e nesta ocasião será obrigado a revelar como é que o vídeo saiu das mãos dos agressores e foi parar nas mãos de uma rede de TV. O mais importante, porém, é que por casualidade fomos remetidos ao passado e obrigados a encarar cenas de brutalidade que imaginávamos definitivamente removidas da nossa vida. E por coincidência também, hoje à noite vamos reapresentar o programa para lembrar os 30 anos do assassinato de Vladimir Herzog em dependências dos órgãos de segurança em São Paulo. Às dez e meia na TVE e às onze horas na TV Cultura.


República brasileira


Ainda uma coincidência, Dines, é que nesta terça-feira, 15 de novembro, se comemora o centésimo décimo sexto aniversário da República brasileira.


O fim da monarquia foi um momento de glória da imprensa, que deu uma contribuição substantiva para o avanço da idéia republicana. Fazer apologia da República era crime desde 1824, ensina a historiadora Silvia Fonseca na edição deste mês da Revista de História da Biblioteca Nacional.



República francesa


República mais importante e mais antiga é a da França, onde o edifício social está em xeque. Na Folha de S. Paulo de hoje o ensaísta americano Douglas Ireland mostra como os guetos suburbanos franceses são fruto de uma política industrial que precisava atrair mão-de-obra para compensar o déficit demográfico causado principalmente pela Primeira Guerra Mundial. Fruto também da maneira como foi realizada a descolonização da Argélia. E do fracasso das políticas sociais da esquerda e da direita nas últimas décadas.


Seria preciso acrescentar que a mídia francesa, que não é das mais brilhantes, também fracassou.