Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>Frias mudou o jornalismo
>>A Época e a liberdade

De repente, na vizinha Bolívia


O tamanho do desconhecimento do que ocorre nas vizinhanças do país está na manchete de ontem do Globo, que alerta para a possibilidade de eclodir um movimento separatista na Bolívia, com a qual o Brasil tem sua mais extensa fronteira terrestre.


Hoje o jornal diz que essa ameaça poderia levar o presidente Evo Morales a se aproximar do governo brasileiro, em busca de apoio. Seja como for, é encrenca de bom tamanho.
 
A cana e a vida


A Folha e o Globo prestaram ontem um serviço inestimável ao país ao mostrar, em meio à euforia provocada pela perspectiva de transformação do etanol em commodity, a realidade dos cortadores de cana no estado de São Paulo. A manchete da Folha resumiu: “Cortadores de cana têm vida útil menor que a dos escravos”.


Em carta de um leitor hoje à Folha encontra-se a síntese da mentalidade que convive sem desconforto com essa e outras realidades: “Concordo que é um trabalho pesado, mas o cortador não é obrigado a cortar uma quantidade de cana estipulada. Ele trabalha por produção, e cada trabalhador corta o que consegue no tempo que lhe convier”. Será  que os fazendeiros aceitariam turmas de cortadores que só trabalhassem até o limite de um gasto de força razoável?
 
Frias mudou o jornalismo


Alberto Dines diz que graças a Octavio Frias de Oliveira, que transformou a Folha de S. Paulo no jornal mais influente do país, a imprensa reaprendeu a falar.


Dines:


– A morte de Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha de S.Paulo, além dos sentimentos de respeito e solidariedade, nos remete a uma reflexão sobre a imprensa no Brasil. A grande revolução operada pela Folha ocorreu em 1975, durante a ditadura militar quando os jornais estavam silenciados pela censura ou pela auto-censura. Frias então, aceitou a sugestão do diretor de redação, o jornalista Cláudio Abramo, e resolveu fazer da Folha um jornal de opinião. Apostou na distensão política proposta pelo presidente Geisel e assim, talvez pela primeira vez, um jornal se transformava de dentro para fora, a partir do seu conteúdo. A Folha não se preocupou muito com a aparência, não convocou consultores nem marqueteiros. Simplesmente apostou no jornalismo. Frias nunca foi jornalista, mas acreditava no poder transformador da imprensa. Assumiu que o leitor quer, antes de tudo, um jornal capaz de falar com clareza e convicção. Abramo e Frias criaram uma página de editoriais, na página dois e, em seguida,  ampliaram o espaço, incorporando a página três. A Folha foi obrigada a recuar dois anos depois diante da pressão da linha dura, mas tornou a avançar. Hoje, não há um grande jornal brasileiro que não adote este paradigma. A novidade  incomodou há 30 anos e incomoda agora. Graças a Octavio Frias de Oliveira, um empresário inovador, a imprensa brasileira reaprendeu a falar.


A Época e a liberdade


A Época publica nesta semana um artigo sobre classificação indicativa de programas de televisão que usa uma coleção de truques desleais para confundir com censura prévia a tentativa de proteger crianças e adolescentes da farta baixaria produzida pelas emissoras de televisão. Tem até citação de Alberto Dines neste Observatório contra manifestação do presidente do PT,  Ricardo Berzoini, a favor de controle da mídia em períodos eleitorais. Dines falou em nome da liberdade de imprensa. A Época fala em nome dos interesses das redes de televisão, e chama isso de livre manifestação do pensamento ou da criação artística.


Biografias e censura


A retirada de circulação da biografia de Roberto Carlos escrita por Paulo César Araújo tem gosto de censura e cria mais problemas para o gênero biografia. Mas ela se deu por meio de acordo entre os advogados do biografado e do biógrafo.


O biógrafo reconhece assim, ainda que de forma tácita, algum tipo de culpa no cartório. E o país perde a oportunidade de ver como as mais altas instâncias da Justiça tratariam a questão.


Emissoras católicas


Elvira Lobato informou ontem na Folha que a Igreja Católica quer pôr no ar a terceira televisão de âmbito nacional, a TV Aparecida.


Em termos formais, a conta é exata. Na prática, não o é. Muitas emissoras brasileiras são católicas no conteúdo, embora não pertençam a Igreja. Se a Igreja tivesse que pagar à Rede Globo pela maciça divulgação da visita do papa Bento XVI, por exemplo, ficaria um tanto mais pobre.