Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>O império do obscurantismo
>>Fanáticos ensandecidos

O império do obscurantismo

O noticiário sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos revela um fato preocupante: o Brasil não tem um foro público no qual possam ser debatidos os temas fundamentais para a consolidação do desenvolvimento socioeconômico.

O Congresso Nacional, composto pela conjunção do poder econômico de lobbies com o combustível do caixa 2 nas campanhas, não tem representatividade para abrigar as diferentes correntes de opinião que poderiam emanar da sociedade.

Além disso, trata-se de um poder minado por um escândalo permanente que se repete em capítulos, sempre com o mesmo roteiro, desde que a redemocratização recompôs a liberdade de imprensa no País.

O Judiciário é a instância final, embora ultimamente tenha se transformado em parte do sistema legislativo.

Não convém que seja colocado como o poder mediador de questões de fundo ideológico e não constitucional.

E a imprensa, que poderia mais naturalmente se apresentar como a vitrina para a exposição das divergências, apressou-se em tomar partido contra todo o pacote proposto pelo governo, como se condenasse, em princípio, a própria formulação de uma política geral para os direitos civis.

Depois, quando foi conveniente detalhar a proposta, amarrou-se ao tema da investigação dos crimes de tortura durante a ditadura militar.

O programa proposto pelo governo é o terceiro do gênero desde que entrou em vigor a reformulação legal decidida na constituição de 1988.

Trata-se de uma revisão necessária para corrigir distorções e atualizar o conjunto de direitos do cidadão.

Mas a imprensa demonstra claramente seu desconforto em qualquer tentativa de rever nosso passado recente dos chamados anos de chumbo.

A impressão que se tem na leitura de jornais e revistas é de que falta inteligência ao Brasil para discutir o que o Brasil quer ser quando crescer.

Fanáticos ensandecidos

Alberto Dines:

– Mais uma vez a mídia se afoba, se atrapalha e acaba passando para a sociedade informações enganosas. Quando o governo apresentou o 3º Programa de Defesa dos Direitos Humanos, em 21 de Dezembro, a grande imprensa comportou-se com naturalidade: não fechou a questão nem investiu contra a instalação de um grupo de trabalho que criará a Comissão da Verdade para investigar episódios de tortura, morte e desaparecimento ocorridos durante o regime militar. Jornalões deram cobertura à posição do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que fecha com os militares mas também acolheu protestos e manifestações individuais e coletivas contra a tentativa de sepultar o passado.

Tudo levava a crer que se tratava de um debate democrático e responsável. A grande imprensa, apesar das atuações geralmente conservadoras, é sensível às denúncias a respeito das violências nos Anos de Chumbo. Talvez para aliviar consciências culpadas, de qualquer forma como prova de sua maturidade. Exemplo foi a publicação na página de opinião do Globo, na última sexta-feira, do veemente protesto do cineasta Sílvio Tendler contra as atuais posições do ministro Jobim.

De repente, entra em cena a famigerada ANJ, Associação Nacional de Jornais que foi pinçar no novo programa de direitos humanos uma antiga reivindicação que relaciona direitos humanos com qualidade de programação da mídia eletrônica. Sua parceira, a Opus Dei, aproveitou para fazer onda contra o item que reforça o estado laico e proíbe símbolos religiosos dentro – repito dentro – de prédios públicos.

De repente, o que parecia um debate racional converteu-se em cruzada ensandecida e fanática. A mídia deixou de lado a sua função de mediar e partiu para uma escancarada pressão lobista. Nesta transmutação esqueceu que o 3º PNDH de Lula é uma continuação dos anteriores apresentados nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, em 1996 e 2002. E ambos tinham a mesma abrangência do programa de Lula.

Quando José Gregori ocupava a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, participou de diversas edições do “Observatório da Imprensa”, quando se tratou pela primeira vez de estabelecer uma conexão entre a baixaria televisiva e os atentados aos direitos humanos. O ano novo já começou porém as corporações da mídia comportam-se como no ano passado. De triste memória.