Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

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O índio na imprensa

A fotografia de um índio pintado para a guerra e usando um telefone celular, publicada hoje na Folha de S.Paulo, é o retrato acabado de como a imprensa ainda enxerga as populações nativas do Brasil.

A foto ilustra reportagem sobre protesto da comunidade indígena do oeste paulista, guaranis, kaigangues, krenakis e terenas, contra a mudança da sede regional da Funai para a região sudeste do Estado, a cerca de 500 quilômetros de distância.

Para a imprensa, índio que usa celular é branco.

O noticiário conduz à discussão sobre a inimputatilidade dos índios, garantida pela Constituição.

Em outro episódio envolvendo indígenas, os jornais induzem à criminalização da agressão de um grupo de caiapós contra o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernandes Rezende, coordenador do estudo para a construção da hidrelétrica de Belo Monte.

Anteontem o engenheiro foi espancado por um grupo de caiapós e sofreu um golpe profundo de facão no braço direito quando defendia a construção da barragem, durante o encontro ‘Xingu vivo para sempre’.

A notícia de hoje é que a Polícia Federal deve investigar quem comprou sete dos quase cem facões exibidos pelos caiapós.

Os jornais insinuam que alguns facões foram comprados por integrantes das entidades organizadoras do evento, entre as quais se encontram a Arquidiocese de Altamira, no Pará, o Instituto Sócio-ambiental e dezenas de ONGs.

Os organizadores condenaram a violência e lembram que os caiapós costumam usar facões, que adquirem no comércio local, mas ainda assim se percebe na imprensa a falta de clareza, que pode induzir o leitor a imaginar um bando de aloprados brancos armando índios para uma guerra contra o progresso.

A Folha de S.Paulo observa que o projeto da usina de Belo Monte, no rio Xingu, começou há vinte anos e sempre enfrentou a resistência dos indígenas e ambientalistas.

Eles temem os efeitos da formação do lago, que deve inundar cerca de 40 mil hectares de terras da reserva, com o desaparecimento de cachoeiras e áreas de floresta.

O clima do encontro era tenso também por conta da recente demissão da ministra Marina Silva, que à frente do Ministério do Meio Ambiente era vista como uma aliada dos caiapós e ambientalistas.

Segundo a imprensa, o engenheiro Rezende foi agredido logo após defender a construção da usina e dizer a seguinte frase provocativa: ‘Olha, eu moro no rio de Janeiro. Quem vai ficar sem luz são vocês’.

A inabilidade do funcionário da Eletrobrás ilustra a dificuldade com que as autoridades se relacionam com as populações nativas.

A tentativa de criminalizar os protestos contra obras que ameaçam o meio ambiente mostra a incapacidade da imprensa de entender a necessidade de se buscar uma estratégia sustentável para as obras de infraestrutura de que o Brasil precisa.
 
Queda-de-braço

A falta de interesse em penetrar nos temas que envolvem a dívida secular do Brasil com seus primeiros habitantes provoca distorções até mesmo no noticiário econômico e político.

Hoje, o Estado de S.Paulo publica o noticiário sobre a agressão ao engenheiro da Eletrobrás também no caderno de Economia, observando que a resistência dos índios atrasa a construção da usina e a chegada do progresso à Amazônia.

O Globo mistura índios a militantes do MST num mesmo caldeirão que chama de ‘incivilidade’.

A Folha já havia usado o título ‘barbárie’* ao noticiar a agressão.

Não há registro de a imprensa ter usado essas expressões para qualificar os massacres de índios por posseiros, ou mesmo o assassinato de ambientalistas e outros protagonistas do conflito que há anos se desenrola na Amazônia.

A questão ambiental também freqüenta o noticiário político, aquecida pela prematura e crescente incompatibilidade entre o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger.

Os jornais exploram hoje as discordâncias entre os dois, que precisarão conviver em muitos fóruns, já que o ministro de Assundos Estratégicos é também o coordenador do Programa Amazônia Sustentável.

Depois que Minc atacou o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, Mangabeira Unger defendeu a tese de Maggi de que as terras desmatadas devem ser isentas das novas exigências para concessão de financiamento oficial.

Minc anunciou a criação da Guarda Nacional de Segurança Ambiental, Maggi disse que não cederia policiais de seu Estado para a nova força e, hoje, os jornais publicam declaração de Mangabeira Unger dizendo que é prematura a criação da guarda ambiental.

No entanto, nas frases sobre os planos de desenvolvimento para a Amazônia, não há grandes discordâncias entre os dois ministros.

O problema é que os jornais se concentram nos desentendimentos, pintanto Mangabeira Unger como um acadêmico alienado da realidade e Carlos Minc como um ecochato.

Enquanto isso, as soluções para o desenvolvimento de uma estratégia para preservar a floresta vão sendo adiadas.

E a imprensa internacional, mais uma vez, coloca em dúvida a capacidade dos brasileiros de administrar o patrimônio natural que se situa dentro de suas fronteiras.


[* Errata: O chapéu usado por Folha, na capa da edição de 21 de maio é ‘selvageria’]