Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

>>O mundo plano da imprensa
>>Palavra e informação

O mundo plano da imprensa

Os fatos de grande repercussão internacional oferecem uma oportunidade interessante para a observação da imprensa e ajudam os observadores a entender que caminhos a mídia pode seguir no futuro, no ambiente da globalização e com a disponibilidade de avançadas tecnologias de comunicação.

O atentado que matou a ex-premiê do Paquistão Benazir Bhutto é uma dessas oportunidades.

A leitura dos jornais brasileiros mostra que a imprensa escrita poderia oferecer ao seus leitores algumas vantagens para o entendimento dos acontecimentos, mas a falta de estrutura nas redações limita essas possibilidades.

Até poucos anos atrás, o Estado de S.Paulo se destacava entre os concorrentes por contar com uma editoria Internacional mais qualificada, com correspondentes nas principais cidades do planeta, e contando na redação com profissionais experientes, multilingues e, o mais importante, dedicados a observar o mundo.

A comparação entre os jornais de hoje mostra que o Estadão perdeu essa vantagem.

Com a exceção de um ou outro comentarista, como o veterano Gilles Lapouge, o que se pode ler hoje é basicamente o material distribuído pelas agências de notícias internacionais.

Por outro lado, as emissoras de televisão de alcance global, como a americana CNN, a britânica BBC ou até mesmo a emissora árabe Al-Jazira conseguem em pouco tempo colocar em seus estúdios uma grande variedade de especialistas, aumentando a diversidade das informações e das interpretações dos fatos.

No entanto, é na imprensa escrita que o cidadão pode definir o ritmo ideal de leitura que favorece a reflexão e a compreensão.

Com os jornais praticamente pasteurizados e nivelados pela origem comum de todas as coberturas, a visão de mundo que se oferece aos leitores é plana, sem nuances que permitiriam entender a complexidade de um país como o Paquistão – uma das potências militares do mundo, país aparentemente incapaz de construir um regime político minimamente equilibrado.

A visão que todos os jornais nos apresentam é de uma sociedade tribal armada com ogivas nucleares.

Visto pelos jornais, o mundo é plano e incompreensível.

Palavra e informação

Outra oportunidade que o noticiário nos oferece hoje é a de atualizar nossa visão sobre a América Latina.

Ao mesmo tempo em que o continente celebra um de seus melhores momentos econômicos, revive o fantasma das ditaduras militares com o processo contra torturadores que corre na Justiça italiana e viaja no tempo com a esperada libertação dos reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – ainda um extemporâneo resquício do século passado.

Mas a imprensa não parece capaz de retratar essa complexidade.

E comete pecados mortais na essência do seu negócio: a palavra.

Dines:

Pode ser descrita como ‘resgate’ a libertação dos seqüestrados pelas FARC na Colômbia? A imprensa e, sobretudo, o noticiário oriundo da Venezuela, insiste no termo ‘resgate’. Ora, resgate pressupõe o atendimento de exigências para a libertação de presos; neste caso é um acordo, no máximo um gesto humanitário. Mas considerando que seqüestro é crime e as FARC são uma organização terrorista que seqüestra inocentes para libertá-los anos depois em aparatosas ações de propaganda, fica complicado falar em gesto humanitário das FARC. O correto seria falar em gesto político. Mas se a libertação dos seqüestrados ocorre sem acordo, através de uma operação militar – o que não parece o caso — poderia justificar-se a entonação de heroísmo. A mídia brasileira não dá muita bola para estas sutilezas filológicas ou semânticas. Para não repetir palavras, ou por falta delas, os jornalistas usam indistintamente resgate, troca ou libertação, esquecidos de que palavra é informação e palavra apropriada é informação correta.