Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

>>Por dentro da enchente

Por dentro da enchente


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa, testemunhou a enchente que destruiu a maior parte do patrimônio histórico de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo.


Luciano Martins: – Luiz Egypto, como é estar por dentro de uma catástrofe natural?


Luiz Egypto:- Eu vivo em São Luiz do Paraitinga já há bastante tempo e nunca tinha visto um fenômeno tão dramático quanto este das enchentes deste início de ano.


Os rios subiram muitíssimo, os cálculos extraoficiais falam em doze metros, mas pelo menos nove, até uma cota que eu tenho, certamente ele subiu; e isso significou a inundação absoluta de todo o centro histórico, de boa parte da cidade, e uma cidade formada de muitas casas de taipa. Submerso durante muito tempo, aquilo vira uma geléia. Isso provocou muitos desabamentos e por conseqüência muitos desabrigados. O cálculo mais otimista está pensando em 3 mil desabrigados em São Luiz.


A imprensa tem coberto como pode. Evidentemente, deu prioridade num primeiro momento à cobertura nos locais onde houve vítimas fatais, caso de Angra dos Reis e Cunha.


Em São Luiz, a cobertura me pareceu à primeira vista um tanto burocrática, mas agora acordou para o fato de que a cidade não é apenas uma cidade que foi inundada e que perdeu parte do seu casario, mas de uma cidade que tem uma profunda marca cultural. A cidade que tem, ou tinha, o maior número de imóveis tombados [pelo patrimônio histórico] no Estado de São Paulo. Cada imóvel daqueles tem nome e sobrenome, tem uma história, um peso cultural que eu aprendi a respeitar nesses anos todos em que convivo com aquele pessoal; que, além do mais, tem certas características muito próprias e sobretudo muito raras entre as que a gente conhece nas cidades que visitamos.


O luizense é muito solidário, tanto que eu tive há pouco uma informação de que, independentemente da defesa civil, de toda e qualquer corporação que esteja trabalhando no auxilio dos flagelados, os próprios cidadãos luizentes estão limpando a praça, se mobilizando para poder fazer com que a cidade fique pelo menos transitável e tenha a exata dimensão do estrago.


Foi um grande estrago e não é um estrago incomum. No ano 2000, se não me engano, Campos do Jordão sofreu um fenômeno natural tão intenso quanto o ocorrido em Angra dos Reis.



Nós seguimos conversando com Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa, que testemunhou a destruição de boa parte do patrimônio histórico da cidade paulista de São Luiz do Paraitinga.


LM – Luiz Egypto, na sua opinião, teria sido possível evitar tantos danos?


LE – Eu diria que pode ter havido uma conjunção de fatores naturais. Eu não ouvi ainda nenhuma explicação técnica o suficiente, e que me convencesse: ‘Agora eu sei o que aconteceu em São Luiz e em Cunha, sobretudo em São Luiz’. É claro que a todo fator natural junta-se assoreamento dos rios, a ocupação irregular das margens, ocupação irregular de encostas…


LM – Desmatamento da mata ciliar.


LE – Desmatamento da mata ciliar, plantação de intensiva de eucaliptais para a indústria de celulose. Isso tudo acaba convergindo ou concorrendo para potencializar aquilo que, em princípio, seria apenas um fator natural.


LM – Luiz Egypto, olhando de dentro da catástrofe, você acha que a imprensa tradicional tem instrumentos para fazer um relato fiel e adequado de acontecimentos como esse?


LE – Acho que sim, se se empenhasse. Como acho que teria condições de fazer relatos fidedignos e contextualizados de quaisquer outros fenômenos que à pauta jornalística cumpre acompanhar e cobrir. O caso de São Luiz é apenas um dos casos. Quando mais reportagem, melhor. Reportagem é, de fato, um exercício e uma atividade que anda um pouco desleixada na prática jornalística dos cotidianos que a gente conhece.