Este observador vai interromper por tempo indeterminado suas análises diárias da imprensa brasileira através deste canal. Uma crise de gestão torna insustentável a manutenção desse trabalho, que vem sendo feito quase ininterruptamente, desde o dia 16 de julho de 2007. Ainda antes disso, este colaborador participou dos esforços para a criação e consolidação deste espaço para a crítica democrática da mídia desde seus primórdios, há mais de quinze anos.
Os motivos que levam à interrupção desta jornada são muitos, entre os quais não é possível fazer uma hierarquia de relevâncias. Talvez fosse possível contornar alguns deles, mas há uma causa que não pode ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.
Os principais veículos da imprensa se transformaram em panfletos políticos e vasculhar o noticiário em busca de jornalismo que valha uma referência tem sido como buscar um fio de cabelo no palheiro.
Naquela data de estreia, 16 de julho de 2007, uma segunda-feira, o Brasil já estava imerso em um escândalo político, mas o observador destacava que a Folha de S.Paulo era o único dos grandes diários de circulação nacional que ainda apontava o dedo para suspeitos de todos os matizes. Nas edições daquele final de semana e da segunda-feira, o jornal paulista havia aberto espaços proporcionalmente adequados tanto para os acusados que eram da aliança governista quanto para os da oposição.
Esse era o quadro do escândalo da época, segundo a visão do observador: “Enquanto o Globo e o Estado de S.Paulo dão claramente mais destaque para os casos de Renan Calheiros e da quadrilha que atuava na Petrobras, a Folha mantem sob os holofotes, com destaque, as irregularidades na CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, que respinga no deputado Mauro Bragato, ex-secretário do governo Geraldo Alckmin”.
Como se pode constatar, pouca coisa mudou no cenário da imprensa nacional desde então. Corrupção era o tema de maior destaque, e no comando da seleção de futebol um técnico chamado Dunga boicotava jornalistas da emissora SporTV. Uma diferença: o Brasil comemorava a conquista da Copa América.
Boa sorte
Naquela ocasião, as revistas Veja e Época faziam jornalismo, ainda que já mostrassem sinais de certa tendência maniqueísta. A revista mensal Os Brasileiros se apresentava como um projeto que tentava reviver o modelo das reportagens de fôlego, cujo exemplo maior havia sido a revista Realidade, da Editora Abril. O então presidente Lula da Silva iniciava seu segundo mandato, e os jornais repercutiam as novas políticas sociais com estatísticas sobre desigualdades de todos os tipos.
Nesta terça-feira (30/6), o que se lê na imprensa hegemônica não guarda mais qualquer relação com jornalismo de qualidade. As manchetes dos três diários de circulação nacional fazem uma leitura enviesada de declarações da presidente Dilma Rousseff, evitando entrar no mérito de sua manifestação: a inquietante constatação de que a Justiça tem pautado suas ações no escândalo da Petrobras com base na delação de indivíduos cujo destino depende de sua disposição para justificar os pressupostos da investigação.
O propósito da visita da presidente aos Estados Unidos – reanimar as relações conturbadas pelo episódio de espionagem revelado dois anos atrás, encaminhar acordos sobre a questão climática e estimular investimentos – ficou em segundo plano. A única pauta que interessa à mídia tradicional do Brasil é a agenda da desconstrução da aliança que controla o Poder Executivo desde 2003.
Mas essa é uma questão que os leitores atentos reconhecem em cada linha do noticiário, em cada expressão dramática nas faces dos apresentadores dos telejornais de maior audiência. Os demais – aqueles que tomam por verdadeiro tudo que sai na imprensa – seguirão repetindo a linguagem chula dos pitbulls que trucidam a língua culta e subvertem a narrativa jornalística.
Este observador se retira, sem prazo para retornar.
Os primeiros artigos escritos para este Observatório da Imprensa tratavam de sustentabilidade e de propostas para superação da crise que desde então ameaçava o futuro dos jornais.
Esta derradeira observação não pode ser mais otimista, em relação à mídia tradicional, do que as daquele tempo. Mas sabemos todos que, uma vez colocada a lente da crítica sobre a imprensa, você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito.