Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Julgamento precipitado
>>No mais, ainda menos

Julgamento precipitado


Dines, como você vê a divulgação de dados sigilosos sobre Congonhas?


Dines:


– A publicação de notícias protegidas por sigilo é geralmente justificada. O dever do jornalista é informar, é isso que o leitor espera dele. Em casos como o da catástrofe com o Airbus da TAM este dever torna-se imperioso, inadiável: o país está de luto, a sociedade está angustiada e muitos mortos continuam insepultos. O jornalista Fernando Rodrigues obteve novos dados extraídos das gravações da caixa preta do jato e ontem o seu jornal, a Folha de S. Paulo, abriu uma manchete que  tomou conta do noticiário da manhã: ‘Caixa preta indica erro do piloto’. Efetivamente aconteceu alguma coisa errada com os manetes que controlam as turbinas do avião. Isso já fora antecipado na quarta e quinta-feira da semana passada e depois repetida pela revista Veja. Os novos dados obtidos por Fernando Rodrigues reforçam a hipótese do problema nos manetes, mas não esclarecem porque foram acionados erradamente. Ontem à tarde, depois da enorme repercussão da sua matéria na CPI do Apagão, o jornalista Fernando Rodrigues amenizou o julgamento e numa entrevista à UOL-News declarou: ‘Suspeitas recaem agora sobre o Airbus e a TAM’ e completou ‘Responsabilidade dos pilotos é difusa’.  No fim da tarde, o título da sua entrevista no mesmo site dizia: ‘Caixa Preta não isenta  TAM e Airbus’. De onde se conclui que o vazamento é legítimo, mas o julgamento precipitado  não  é.


Luciano Martins:


A tragédia ao vivo


Vale uma boa discussão, em especial, a decisão das autoridades responsáveis pela investigação da tragédia de Congonhas, de permitir a divulgação do último diálogo gravado na cabine do Airbus.


A Federação Internacional de Controladores Aéreos critica o fato de  as autoridades brasileiras permitirem que se desse conhecimento dos dados fora do ambiente da investigação.
 
Segundo a entidade, a Organização Internacional da Aviação Civil proíbe a divulgação das informações da caixa-preta dos aviões acidentados. Essas informações são protegidas por lei e só poderiam vir a público após decisão judicial.


No caso da tragédia de Congonhas, não houve sequer um pedido de autorização da Justiça.


A informação simplesmente ‘vazou’.


E ontem, segundo relatam os jornais, o conteúdo da caixa-preta foi motivo de disputa enciumada entre deputados que compõem a chamada CPI do Apagão Aéreo.


Depois que toda a imprensa divulgou um detalhe técnico sobre a posição errada do manete do lado direito, os pilotos foram colocados sob suspeita. Prematuramente.


Hoje, os jornais – todos eles – observam discretamente que o manete simplesmente pode ter se deslocado com o tremendo choque contra o prédio da TAM Express.


Manchete polêmica


Todos eles trazem na primeira página a transcrição do último diálogo dos pilotos.


O Estado de S. Paulo parece ter refletido um pouco mais sobre a decisão editorial.


E publica junto à manchete que a divulgação deveria ser evitada.


A Convenção de Chicago, que regulamenta a aviação internacional, recomenda que a abertura dos dados para fora do ambiente da investigação somente aconteça em casos extremos. Como, por exemplo, quando há suspeita de que o acidente tenha sido provocado deliberadamente pelo piloto.


Mas o Globo foi o mais cruel. Talvez porque seus editores se sintam mais distantes da tragédia ocorrida em território paulista.


A manchete do jornal carioca é simplesmente o grito de desespero do piloto, no que foi provavelmente seu derradeiro momento.


Uma imprensa açodada, um governo afoito para se eximir de responsabilidades e parlamentares loucos por holofotes acabam de condenar as famílias das vítimas a um sofrimento adicional.


Pelo efeito devastador que o dramático conteúdo tem sobre familiares e amigos das vítimas, deve-se ponderar o que ganha a opinião pública com isso.


Já é tempo de a imprensa repensar se o impacto de uma informação com esse calibre emocional vale a dor moral que aflige a pessoas já devastadas pela tragédia.


No mais, ainda menos


No mais, os jornais seguem pela obviedade.


As informações técnicas não permitem chegar a uma conclusão sobre as causas reais do acidente em Congonhas.


Pode, sim, ter havido erro de um dos pilotos.


O Airbus voava com um equipamento defeituoso.


A TAM adiou o quanto pode a manutenção da aeronave.


E a imprensa finalmente parece ter se convencido de que ainda não pode apontar culpados.


O Estadão ‘informa’ que as autoridades ainda investigam se houve erro do piloto ou falha de equipamento.


A Folha detalha que a falha ocorreu dois segundos antes do pouso.


E o Globo descobre: ‘Mais dúvidas que certezas’.


Talvez, para o leitor brasileiro, haja, sim, uma certeza: a de que, até aqui, tudo que a imprensa fez foi usar informações vazadas, reproduzir declarações e, principalmente, emitir julgamentos apressados sobre as causas da maior tragédia da aviação no Brasil.