Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>O caso do rol de compras
>>Tirando o corpo da estrada

O caso do rol de compras

As edições de hoje dos jornais revelam claramente que a chamada grande imprensa reagiu de modos diferentes ao levantamento de informações sobre gastos pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apresentado no final de semana pela revista Veja como um dossiê.

O Estado de S.Paulo parece considerar que se trata de algumas informações coletadas especificamente para destacar itens exóticos de despesas domésticas do ex-presidente e sua primeira-dama.

Noticia a tentativa da oposição de tentar obrigar o governo a divulgar a lista completa de gastos oficiais, mas não investe muito no assunto além do que já tem afirmado em editoriais.

O Globo também apenas registrou os novos embates no Congresso, com a oposição tentando esquentar a CPI dos cartões corporativos e o governo usando o rolo compressor para formatar um novo disco de pizza.

A única exceção é a Folha de S.Paulo, que colocou seus repórteres na pista de Veja e revela que as informações foram coletadas por uma assessora de confiança da ministra Dilma Roussef.

Faz disso sua manchete de hoje, e já chama o caso de ‘Dilmagate’. Mania da Folha de batizar tudo quanto é assunto.

A rigor, a única novidade é uma coisa já sabida: como o acesso a informações sobre gastos pessoais de autoridades e seus familiares é protegido por senhas só acessíveis a uns poucos funcionários de alto escalão, o surgimento de um nome era apenas questão de tempo.

Mas aquilo que mais interessa ao leitor não está dito: a lista com alguns itens de gastos pode ser chamada de ‘dossiê’?

E qual é a verdadeira dimensão do acontecimento, se o propósito da CPI, afinal, é quebrar o sigilo sobre todas as despesas pessoais tanto deste governo como do governo anterior?

O tema escolhido pela Folha como manchete de hoje serve para requentar a história, porque os dados colhidos pela assessora da ministra não chegaram a ser usados na batalha do momento entre governo e oposição.

A rigor, a interpretação dos fatos, se se trata de um dossiê ou se é apenas uma lista maliciosa, se era uma conspiração de alto escalão ou uma jogada preventiva nos embates da CPI, vai depender apenas do viés de cada leitor.

Quem se opõe ao atual governo vai entender que se trata de um crime, ‘mais um escândalo da administração petista’.

Quem apóia o atual governo vai dizer que a imprensa faz tempestade em copo d´água e se comporta como linha auxiliar da oposição, aquilo que os petistas chamam de PIG – Partido da Imprensa Golpista.

Na vida real, o presidente Lula da Silva segue navegando em altos índices de aprovação e alimentando os colecionadores de frases inócuas.

Tirando o corpo da estrada

Mais um acidente rodoviário, e as estatísticas dos mortos e mutilados segue crescendo.

É uma tragédia em capítulos, mas a imprensa não parece muito interessada no assunto.

Alberto Dines:

– Quantos dias permanecerá na primeira página dos jornais o desastre de ontem com um ônibus da Itapemirim na rodovia presidente Dutra? Com a proximidade do fim-de-semana e a obrigação do noticiário leve, a nova tragédia rodoviária está condenada a sumir rapidamente do noticiário.

Os porteiros das nossas redações não parecem muito sensíveis ao que se passa nas estradas. A morte vertical é mais fascinante, na horizontal é inglória. Desastres em estradas são corriqueiros, acontecem quase todos os dias.

Além disso, não há caixas-pretas nem causas misteriosas a desvendar, tudo é logo esclarecido e logo esquecido. O PAC está sendo acelerado, mas as novas estradas continuarão matando mais gente do que os Boeings e os Airbus porque elas sempre estarão congestionadas.

Sem transporte ferroviário para absorver a carga pesada e o excesso de passageiros, os imensos caminhões continuarão donos absolutos das rodovias.
Enquanto isso, no noticiário radiofônico das manhãs, os repórteres parecem mais preocupados com a rápida remoção dos corpos das vítimas nas vias urbanas do que com as vidas anônimas que acabaram de ser interrompidas.

A culpa não é deles, a culpa é do ouvinte mais interessado na fluidez do trânsito. O asfalto, decididamente, não comove ou não tem charme jornalístico.