Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>O caso requentado
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O caso requentado

Uma notícia policial, sobre a prisão de uma quadrilha de pedófilos, pode complicar o caso da morte da menina Isabella Nardoni.

Não que a polícia tenha encontrado novas provas, ou que um novo elemento tenha sido descoberto.

Apenas a simples e quase inexplicável coincidência de que um policial envolvido na quadrilha de exploração sexual de crianças tenha sido um dos primeiros  a entrar no edifício de onde a menina foi atirada, pode criar um elemento adicional capaz de alterar o julgamento.

O segundo tenente da Polícia Militar Fernando Neves Brás se suicidou diante dos policiais que foram prendê-lo em seu apartamento.

Os investigadores agora vão examinar seus computadores e fazer conexões com outras conversas entre os participantes da rede de pedofilia que era coordenada por um pai-de-santo.

Conforme foi noticiado, o pai-de-santo tinha um quarto com uma brinquedoteca, para onde atraía crianças e as oferecia aos integrantes da rede.

O detalhe que quase escapa à atenção da imprensa, e que foi destacado apenas pelo jornal O Estado de S.Paulo: o tenente Brás foi quem comandou a varredura do Edifício London, na noite em que a menina Isabella foi atirada do 6o. andar.

Foi ele quem certificou que não havia ocorrido invasão do prédio.

Como se sabe, o pai e a madrasta da menina insistem em que o crime foi cometido por alguém que entrou no apartamento depois que ele a deixou sozinha para ir buscar o resto da família na garagem.

Os jornais deram a notícia da prisão dos pedófilos no sábado.

Ontem e hoje, nenhuma linha adicional sobre as investigações.

Para a opinião pública, pelo menos aquela representada pelas multidões que se acotovelaram durante semanas diante da delegacia e do prédio onde vive a família Nardoni, o caso está encerrado.

Mas os advogados dos acusados certamente vão se agarrar aos novos fatos.

E os jurados não poderão levantar sutilezas sobre o caso.

Apenas vão decidir se as provas são suficientes para condenar os acusados.



Objetivamente, o caso dos pedófilos não acrescenta nenhum elemento capaz de alterar as convicções da polícia ou da promotoria.

Mas pode produzir uma fissura na tese que convenceu a imprensa.

Observe-se que o polêmico legista George Sanguinetti sustenta que a menina pode ter sofrido abuso sexual.

Essas improváveis coincidências seriam suficientes para alterar as conclusões do júri?

Como a condenação do casal exige absoluta convicção dos jurados, o caso pode seguir para uma direção diferente daquela que foi assumida em peso pela mídia.

Então, como fica toda aquela histeria de algumas semanas atrás?

Os Nardoni foram condenados pela imprensa e podem ser absolvidos pelo tribunal do júri.

Estaremos diante de um novo caso Escola Base?

Um dia esquecido

Os jornais se esqueceram de celebrar o ‘Dia da Imprensa’.

Apenas a Folha de S.Paulo se lembrou da data, exatamente no ano em que se comemora os duzentos anos do jornalismo no Brasil.

Alberto Dines:

– Nossa imprensa envergonhou-se ontem ao completar 200 anos de existência. De todos os jornais e revistas de referência nacional, apenas a Folha de S. Paulo lembrou-se do ‘Dia da Imprensa’ e a ele dedicou uma página inteira do primeiro caderno. O primeiro texto do primeiro periódico a circular no Brasil, o Correio Braziliense, foi escrito em Londres por Hipólito da Costa,  patrono do nosso jornalismo, no dia  primeiro de Junho de 1808. Um aniversário desta importância não pode passar em brancas nuvens, nem ser jogado na clandestinidade.

A súbita amnésia não pode ser atribuída ao mal de Alzheimer, nem à senilidade. Este esquecimento tem explicações: o Brasil foi um dos países da América que mais tarde ingressou na Era Gutenberg e este atraso não pode ser atribuído ao acaso nem apenas ao absolutismo português.O Brasil foi censurado ao longo de 308 anos. E a culpa maior desta censura deve ser atribuída à Santa Inquisição. E a Inquisição era um braço da Igreja. E a ala mais agressiva e poderosa da Igreja contemporânea chama-se Opus Dei com grande influência na mídia latino-americana, sobretudo no Brasil.



Ontem, dia em que nosso jornalismo completou dois séculos deixamos de homenageá-lo. Não foi falta de espaço, os jornais estavam cheios de publicidade. Assim como a Folha encontrou uma forma de saudar a data, os demais poderiam ter feito o mesmo. Ou até mais. A festa do jornalismo não aconteceu porque os donos do nosso jornalismo não quiseram ferir suscetibilidades nem lembrar que a Inquisição não morreu, apenas trocou de nome.