Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>O fim das fantasias
>>Propaganda enganosa

O fim das fantasias


A Folha de S.Paulo informa que o governo brasileiro está preocupado com as empresas que tiveram grandes perdas por operações financeiras de alto risco – algumas delas beirando a ilegalidade.


Trecho de reportagem de O Estado de S.Paulo adverte que o temor na Europa é de que a crise financeira venha a atingir a ‘economia real’.


O jornal não explica o que isso quer dizer, mas a expressão reforça no leitor a sensação de que nem tudo que lhe é apresentado na imprensa todos os dias tem a ver com a realidade.


A começar dos lucros estratosféricos e recordes astronômicos que até poucos meses atrás adornavam quase diariamente as páginas dos jornais, passando pelos rankings dos mais ricos, das economias menos vulneráveis, das classificações de riscos e dos investimentos anunciados e nunca comprovados pela imprensa.



Essa crise tem um incalculável valor histórico e um imenso valor moral, mas a imprensa ainda passa ao largo dessas grandes questões.


O valor histórico está em muitos elementos, mas principalmente no fato de que ela obriga a opinião pública a repensar muitos dos dogmas que se consolidaram nos últimos vinte anos e acabaram por moldar a sociedade contemporânea.


Mas o aprendizado não se completa porque a imprensa, embora admita que nem tudo é real no noticiário econômico, não se dispõe a passar a limpo aquilo que foi impingido ao público durante todo esse tempo. 


Para ficar em dois exemplos gritantes: os escândalos financeiros que derrubaram as ações das empresas Sadia e Aracruz estavam sendo engavetados pela mídia, até que os gestores do fundo Previ, acionista das duas companhias, resolveram responsabilizar judicialmente os administradores pelas perdas que provocaram.


A complacência com que a imprensa trata os dois gigantescos conglomerados deve ter menos a ver com a receita de publicidade do que com antigos vícios do jornalismo: os jornais sempre compram as notícias empurradas pelas assessorias de imprensa praticamente sem reservas.


Quando uma empresa anuncia lucros extravagantes ou promete grandes investimentos, os jornais apenas dão repercussão ao que é declarado, mas raramente comprovam esses anúncios quando os balanços são publicados.



O valor moral da crise está no fato de que, diante do desmoronamento dos heróis da economia baseada apenas no lucro, a imprensa se vê obrigada a repensar a maneira como nos mostra o mundo.


Questões como distribuição da riqueza e do bem-estar, consumismo, preservação do meio ambiente e direitos humanos não podem continuar isoladas dos temas econômicos.


Quando a crise ameaça a economia real, o mínimo que se espera da imprensa é que rasgue a fantasia. 


Propaganda enganosa


Alberto Dines:


– Catástrofes, geralmente, propiciam grandes coberturas porque os jornalistas são sensíveis e diante de grandes acontecimentos combinam emoção e competência. Mas a cobertura do desastre financeiro internacional embora maciça e intensa não pode ser incluída entre os melhores momentos do jornalismo. Sobretudo aqui.


A mídia impressa tem sido a mais prejudicada porque está fixada no sobe-desce das cotações. Como as bolsas do mundo abrem e fecham praticamente o dia inteiro e existe um intervalo de, pelo menos, seis horas entre a preparação da manchete e a entrega do jornal nas mãos do leitor, fica visível o descompasso entre o acontecido na véspera e a situação na manhã seguinte.


O jornalismo digital, em tempo real, seria teoricamente o mais ágil e preciso se não dependesse principalmente do que sai nos jornais. Com equipes reduzidas, sua vantagem limita-se à capacidade de acompanhar o dispara-despenca das cotações em todo o mundo. A numerologia pura e simples pode ser maçante para o não-especialista. Estes são senões estruturais, mas há também disparates. Para mostrar serviço, um jornalão despachou um comentarista para a Europa esquecido de que esta é uma crise global que se desenrola simultaneamente em todos os quadrantes com fatos amplamente divulgados.


O que o leitor quer é análise, conhecimento de causa, capacidade de fazer conexões, perspectiva histórica e, sobretudo, honestidade intelectual. Delfim Neto, ex-czar da economia do regime militar, no seu artigo de hoje no DCI [Diário de Comércio & Indústria, de S. Paulo], garante que o Brasil crescerá 4% no período 2009-2010. Isto pode até acontecer mas fazer tal afirmação hoje é propaganda enganosa.