Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

>>O Globo veste marrom
>>Liberdade e responsabilidade

O Globo veste marrom

O noticiário internacional sobre a expansão da gripe suína se divide entre os jornais de maior prestígio, que trazem informações oficiais e recomendações à população, e os chamados tablóides, modo genérico de qualificar a imprensa de má qualidade, que sai com manchetes alarmantes e pouca informação útil.

No Brasil, o papel dos tablóides, ou, como chamamos, da imprensa marrom, foi assumido pelo Globo com sua manchete: “Gripe se alastra no mundo e Brasil mostra despreparo”.

Nos demais jornais brasileiros e na imprensa internacional de qualidade, a informação predominante dá conta de que a Organização Mundial de Saúde elevou o nível de alerta porque o vírus demonstra capacidade de transmissão entre humanos, o que pode facilitar sua expansão muito rapidamente em grandes cidades.

Embora os casos confirmados se restrinjam a cinco países – México, Estados Unidos, Canadá, Espanha e Escócia – o Globo entendeu que o vírus “se alastra no mundo”.

É um caso de alto alarmismo e baixo jornalismo.

Dos três chamados grandes jornais de influência nacional, o Globo tem se caracterizado pela linguagem menos refinada e pelas escolhas de manchetes mais ruidosas.

Quando se trata de casos de corrupção ou de violência extremada, pode-se justificar.

Mas, no caso de um risco para a saúde pública, o gosto pelo escândalo pode representar um desserviço à sociedade.

Quando a notícia de um fato que pode causar pânico na população é produzida com os cuidados necessários, um número maior de pessoas procura adotar as medidas recomendadas pelas autoridades e a sociedade reage melhor.

Quando a mesma notícia produz mais alarmismo do que informação útil e segura, o resultado pode ser a irracionalidade coletiva, que reduz as chances de sucesso das ações preventivas.

No caso da gripe suína, todos os grandes jornais, com exceção do Globo, apresentam, em suas primeiras páginas, recomendações e dicas para que os leitores tenham uma idéia mais clara dos cuidados a serem tomados.

Entre essas recomendações, uma das mais importantes é evitar a auto medicação.

A manchete do Globo distorce a realidade, gera pânico, desinforma e nada garante que ajude a vender jornal.

Então, para que o alarmismo?

Liberdade e responsabilidade

A escolha do Globo, que contrasta com as dos outros grandes jornais brasileiros, abre espaço para um bom debate sobre liberdade e responsabilidade no jornalismo.

Além de informar pouco e fazer muito barulho, a primeira página do Globo desta terça-feira mistura a notícia sobre o grave perigo de uma epidemia mundial a querelas da política, ao inserir uma charge no meio da notícia principal.

Na charge, o presidente da República aparece desenhado, com um guarda-chuva, sob uma chuva de porcos, e a frase: “Mais essa agora”.

Ora, que graça pode haver em ilustrar a notícia sobre o risco de uma pandemia de graves consequências com preocupações eleitorais do presidente da República?

Ou será que os editores pretendiam relacionar a figura do presidente à afirmação sacada na manchete, segundo a qual “o Brasil mostra despraparo” para enfrentar um surto de gripe?

No momento em que o Supremo Tribunal Federal se reúne para votar a extinção da Lei de Imprensa, a edição de hoje do Globo pode servir como bom exemplo de mau jornalismo, ou de como a liberdade de imprensa deveria ser acompanhada de muita responsabilidade.

Alberto Dines:

– O fim da Lei da Imprensa, que deve ser votado nos próximos dias no Supremo Tribunal Federal, vai criar as condições para um jornalismo mais livre, mais qualificado e mais responsável? Sem a Lei de Imprensa poderemos dispor de um leque maior de opções de informação? A Lei de Imprensa representa o fantasma da ditadura. Convém substituí-lo pelo fantasma da desregulação total?

Não perca a edição de hoje à noite do Observatório da Imprensa. Às dez e quarenta, ao vivo, pela TV-Brasil. Em S.Paulo pelo Canal 4 da Net e 181 da TVA.