Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>O mais longo dos dias
>>Hoje é o dia do ‘Cansei’

Na montanha-russa

O Brasil sentiu os fortes solavancos da economia mundial, mas tudo indica que os fundamentos do nosso edifício econômico não foram abalados. Os jornais abrem um leque de possibilidades, permitindo que o leitor comece a entender o que se passa no mundo. Mas o governo faz seu diagnóstico precoce e celebra uma vitória antes de acabar o jogo.

Alberto Dines:

– ‘O pior já passou’ tranqüiliza  o ministro da Fazenda. Gaba-se o presidente: ‘Nós nos preparamos para crise como as formiguinhas’. A verdade é que ninguém sabe o que acontecerá nas próximas horas. É cedo tanto para os diagnósticos como para prognósticos, leviano garantir qualquer coisa neste momento. Um dado, porém, parece claro: muita coisa vai mudar e não apenas no mercado imobiliário americano onde tudo começou. Isso é o que a imprensa deveria mostrar nesse momento. As ‘exuberâncias’ e ‘bolhas’ não acontecem por acaso e quando acabam o quadro é radicalmente diferente. O cidadão médio ouviu falar num furacão,  mas não percebe de que maneira este furacão pode afetar a sua vida. Esse é o papel da imprensa — mesmo num  país que dispõe de um colchão de 160 bilhões de dólares de reservas e mesmo sabendo que o pior já passou. Governos têm a obrigação de mostrar tranqüilidade ou de enfrentar catástrofes, mas a imprensa tem obrigação de  lembrar que toda  crise, toda crise, deixa seqüelas.

O mais longo dos dias

O dia de ontem foi o mais movimentado desde o início da crise financeira global. Alguns setores foram contaminados pelo pânico, e o efeito em cadeia afetou a Bolsa do Brasil.

Mas no final do dia a boa recuperação das bolsas americanas também produziu efeitos positivos e a Bovespa fechou com perdas menores.

Os jornais de hoje demonstram o esforço despendido para fazer um relato fiel dos acontecimentos, mas o resultado exige do leitor alguns cuidados.

Por exemplo, num dia de muitas oscilações, as opiniões colhidas de especialistas precisam ser contextualizadas em seu momento específico. Declarações obtidas no meio da manhã de ontem, quando o mundo parecia estar se acabando para o mercado de ações, não representam o que foi o mais longo dos dias da crise.



Quem perdeu mais

O Estado de S.Paulo traz um registro interessante, informando que os fundos administrados por ex-integrantes Banco Central – Armínio Fraga, Luís Fernando Figueiredo e Afonso Beviláqua – estão entre os que mais perderam até aqui com a crise.

Com a característica de investir em vários mercados ao mesmo tempo, esses fundos perderam justamente nos produtos que oferecem menos risco, os fundos de renda fixa.

Em geral, esse tipo de investimento é procurado por pequenos e médios investidores, que têm maior aversão a risco. Com os primeiros sinais de turbulência, eles correram em massa para sacar seus recursos, obrigando os gestores a vender títulos para honrar os resgates.

Os ex-dirigentes do BC, entre eles o ex-presidente Armínio Fraga, asseguram que estão cumprindo seus compromissos com os investidores.

Mas a notícia não deixa de lembrar a reportagem mais ou menos recente da revista Carta Capital, sobre dirigentes do Banco Central que se tornam agentes do mercado logo após deixar o governo.

11 de setembro

O Globo faz uma comparação no mínimo curiosa, ao observar que o dia de ontem foi o pior momento para a Bovespa desde os atentados de 11 de setembro de 2001.

A não ser pela intenção de passar ao leitor a idéia de catástrofe, não há como estabelecer uma relação técnica entre os dois eventos.

A escolha do jornal remete a um dos grandes temas que, após a crise, deverá ocupar os dirigentes da mídia: a decisão da Comissão de Valores Mobiliários de disciplinar a cobertura jornalística do mercado financeiro.

O tema é complicado.

No edital de consulta pública para atualizar a Instrução 388, que regula as atividades dos analistas de investimentos, a CVM, que tem como atribuição regular o mercado financeiro, observa que pode enquadrar também os jornalistas que produzem comentários sobre investimentos em valores mobiliários.

A minuta colocada em consulta pública ontem vem causando polêmica, mas conseguiu colocar do mesmo lado os donos de jornais e a Federação dos Jornalistas Profissionais.



A atividade jornalística é regulada pela Lei de Imprensa, mas em alguns casos resvala em outras instâncias, como o mercado de ações.

A pergunta que está por trás da polêmica: jornalistas especializados que muitas vezes se comportam como analistas, ou até mesmo como consultores de investimentos, estão simplesmente atuando como jornalistas?

Renan se complica

O Senado autorizou a abertura do terceiro processo contra seu presidente, o peemedebisa Renan Calheiros.

Nem a maior crise financeira mundial dos últimos dez anos consegue dar uma trégua ao senador alagoano.

Ele se complica ainda mais, com a constatação de que não declarou, entre os recursos da campanha eleitoral de 2002, o uso de aviões e helicópteros do seu ex-amigo, o usineiro e ex-governador João Lyra.

Além disso, os jornais informam que o laudo da Polícia Federal sobre a origem do dinheiro usado para compensar a jornalista Monica Veloso, ex-namorada de Renan, não ajudam o senador.

Um mês depois

Hoje se completa um mês da tragédia com o Airbus da TAM em Congonhas.

O Globo foi ao bairro paulistano e diz que os moradores ainda têm medo das operações no aeroporto.

O Estado e a Folha preferem centrar seu noticiário no depoimento da diretora da Agência Nacional da Aviação Civil, Denise Abreu, à chamada CPI do apagão aéreo.

O Estadão selecionou fotografias em que ela aparece com expressão de desdém. Não há como escapar da constatação de que o jornal paulista já a condenou.

Hoje é o dia do ‘Cansei’

A campanha idealizada pelo empresário de eventos João Dória Júnior, em protesto contra um difuso estado de coisas cujo tema central é a crise no setor da aviação civil, não empolgou a sociedade.

Ainda não se sabe que resultados vai produzir o movimento, mas com certeza ninguém sai  mais chamuscado do que o presidente da Philips, Paulo Zottolo.

O empresário já havia provocado um mal-estar entre acionistas da multinacional, por envolver o nome da empresa num evento que pode ser acusado de ter conotações político-partidárias.



E agora, Zottolo acaba de juntar contra si representantes de todos os partidos políticos e mais um Estado inteiro da Federação.

Em declaração publicada ontem no jornal Valor Econômico, Zottolo disse que ‘Não se pode pensar que o Brasil é um Piauí, no sentido de que tanto faz como tanto fez. Se o Piauí deixar de existir, ninguém vai ficar chateado’.

Dória é conhecido como polidor de egos no meio empresarial.

Zottolo era conhecido por seu ego transatlântico.

Agora, rebatizado pelo senador piauiense Mão Santa, está sendo chamado de ‘tolo’.

Talvez tivesse feito muito mais pela empresa e por sua carreira se tivesse guardado para si o minuto de silêncio que pretendeu dedicar às vítimas da tragédia em Congonhas.