A imprensa brasileira se regozija com a prisão, na Suíça, do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, por conta das investigações de autoridades americanas sobre corrupção na organização internacional do futebol profissional. Nas edições de sexta-feira (29/7), um dos destaques é a fuga do atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, que deixou a conferência da Fifa em Zurique e preferiu se refugiar no Brasil.
O noticiário equivale a uma bomba num ninho de ratazanas.
Os jornais abrem algumas frentes para abordar o assunto, e a principal delas é a chance de retomar as apurações da CPI da Nike, aberta no ano 2000 e concluída no ano seguinte. O relatório (ver aqui) já apontava irregularidades nas relações da CBF com a empresa de material esportivo e o Grupo Traffic, cujo dono, José Hawilla, fez um acordo de delação com o FBI.
O senador e ex-jogador de futebol Romário de Souza Faria (PSB-RJ) protocolou o pedido de abertura da CPI e é tido como provável relator, por sua familiaridade com o assunto e por haver denunciado, sucessivas vezes, irregularidades na gestão do futebol brasileiro. O assunto também mobilizou o senador Zezé Perrella (PDT-MG), que em 2013 se empenhou em abortar uma iniciativa semelhante, convencendo vários colegas a retirar a assinatura de apoio à abertura de uma investigação sobre a CBF.
Perrella, que se notabilizou como presidente do Cruzeiro Esporte Clube e foi citado na crônica policial, em 2013, quando um helicóptero de propriedade de sua família foi apreendido com 450 quilos de cocaína, saiu coletando adesões para uma CPI já na manhã de quarta-feira (27/5), quando as prisões de dirigentes da Fifa ainda chegavam aos portais noticiosos da internet.
Evidentemente, o destino da investigação no Congresso estaria selado se fosse criada a CPI de Perrella e não a de Romário.
Essa é, aliás, uma das táticas mais comuns que levam muitas Comissões Parlamentares de Inquérito à desmoralização: deputados ou senadores que têm alguma coisa a temer se antecipam, participam ativamente ou tratam de ocupar um posto estratégico, como a relatoria ou a presidência, para conduzir o trabalho a resultados inócuos.
Um “encosto” da ditadura
Mas esse é apenas um dos aspectos presentes na profusão de reportagens, entrevistas e opiniões abrigadas pela imprensa. Nas entrelinhas, pode-se colher alguns detalhes que devem orientar a ação da Polícia Federal, que também deu início a uma investigação para apurar crimes previstos na legislação brasileira. A abertura dessa nova frente ganha destaque na mídia, mas não parece assustar alguns protagonistas, como Marco Polo Del Nero, que substituiu Marin na presidência da CBF.
A fuga do dirigente para o Brasil faz sentido, porque aqui ele tem mais chances de se safar da prisão e de evitar a deportação para os Estados Unidos: segundo a Folha de S.Paulo, a Polícia Federal já abriu, nos últimos 15 anos, 13 inquéritos sobre a gestão do futebol nacional, e nenhum deles teve qualquer resultado. Nesse período, a entidade patrocinou congressos e viagens de policiais e até cedeu a Granja Comary, centro de treinamentos da Seleção Brasileira, para um torneio de futebol de delegados federais.
Del Nero trata de se distanciar de seus padrinhos, José Maria Marin e Ricardo Teixeira, que renunciou à presidência da CBF em 2012, para fugir das acusações que pesavam contra ele, e passou a viver em sua casa em Miami. Sabedor das investigações nos Estados Unidos, Teixeira voltou a morar no Rio de Janeiro, onde também espera estar a salvo da Justiça.
Ricardo Teixeira ainda não se manifestou, Marin está recolhido a uma pequena cela num presídio comum de Zurique, e Del Nero trata de se distanciar dos dois. Mandou retirar o nome de Marin da fachada do edifício-sede da CBF, no Rio, e entregou ao Ministério Público Federal cópias dos contratos que estão sendo investigados pelo FBI.
Todos os dedos apontam para José Maria Marin, embora as investigações da polícia americana citem negociatas iniciadas na gestão de Ricardo Teixeira e alcancem o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero.
O esquema criminoso remonta ainda ao longo mandato de João Havelange, mas é a figura de Marin que acende essa espécie de catarse que excita a mídia: com seu passado de sabujo da ditadura, um dos incentivadores da repressão que resultou no assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975, Marin é um fantasma do passado que o Brasil moderno quer ver exorcizado.
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