Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>O país dos bisbilhoteiros
>>A retratação da Folha

O país dos bisbilhoteiros

Não há nada mais ruidoso no noticiário do final de semana do que a reportagem de capa da revista Veja, na qual é revelada parte do conteúdo dos computadores apreendidos com o delegado federal Protógenes Queiroz, aquele que investigou atividades ilegais do banqueiro Daniel Dantas.

No entanto, os jornais deram pouca repercussão ao assunto.

Com exceção do Estado de S.Paulo, que lhe dedicou uma página inteira no domingo e outra página nesta segunda-feira, o resto da imprensa diária praticamente ignorou a notícia requentada.

O Estadão já havia publicado, em janeiro, parte do material vazado das investigações sobre as atividades do delegado.

A reportagem de Veja, que fala da existência de uma “tenebrosa máquina de espionagem do Dr. Protógenes” é, na verdade, uma colcha de retalhos com trechos de gravações encontradas em poder do delegado, que induzem a acreditar que ele havia montado uma rede muito mais ampla de escutas do que aquela destinada a municiar a chamada Operação Satiagraha.

No entanto, faltam conexões entre os dados e o único fio condutor são afirmações da própria revista, reforçadas por adjetivos fortes, como sempre.

Em nota publicada hoje, a Folha de S.Paulo dá a entender que pelo menos uma parte do material publicado por Veja não tem credibilidade.

A lógica dos jornalistas, que parece estar sendo seguida pela maior parte da imprensa, considera que, se a rede de escutas montada pelo delegado Protógenes era tão extensa como sugere a revista, ela também deverá conter muitas imprecisões e até invenções dos arapongas, como foi demonstrado em episódios anteriores.

Um detalhe que falta ao noticiário: se Protógenes pode ser denunciado por vazar informações, o mesmo pode ser dito sobre o delegado que o investiga, e que entregou o conteúdo do seu trabalho à revista Veja.

No mais, há também a notícia de que o senador Jarbas Vasconcelos vem sendo espionado a mando de gente do PMDB desde que resolveu atirar uma denúncia generalizada dentro do partido, o que abre novas pautas sobre o país da bisbilhotice.

Por fora do noticiário centralizado no delegado que investigou o banqueiro Daniel Dantas, convém registrar que o controlador do Banco Opportunity trocou o ruidoso advogado Nélio Machado por uma junta de profissionais mais discretos, dias antes da reportagem da Veja.

Não se pode afirmar que a revista esteja jogando a favor de Dantas, mas é claro que, quanto mais intensos os ataques ao delegado que o indiciou, também mais remotas são as possibilidades de que o banqueiro venha a ser condenado.

A retratação da Folha

Alberto Dines:

– O desfecho foi inesperado, inédito. Ao reconhecer que errou ao designar a ditadura militar implantada no Brasil como uma ditabranda e, simultaneamente, noticiar o protesto diante da sua sede, a Folha de S. Paulo encerrou um incidente que começava a tornar-se extremamente desconfortável. Teria evitado muitos dissabores se a admissão do erro tivesse ocorrido na semana passada, antes do seu editor de política, Fernando de Barros e Silva, contestar abertamente o infeliz editorial do jornal. Acontece que nossa imprensa, sobretudo a grande imprensa, é arrogante, considera-se infalível, acima do bem e do mal. Não é bem assim. Ou melhor, já não é bem assim, os tempos são outros. A imprensa está sendo observada atentamente por uma parte ponderável da sociedade que aprendeu a duvidar do que é veiculado por jornais e por jornalistas. Esta consciência crítica foi a grande vitoriosa do episódio. Também os leitores. Os grandes perdedores foram os veículos concorrentes que ao longo de três semanas mantiveram-se impassíveis diante de um debate político de grande relevância. O pacto de silêncio que nos últimos 30 anos impede qualquer discussão sobre o desempenho da imprensa mostrou novamente a sua solidez. Nossa imprensa não é plural, não é diversificada, não é múltipla. O episódio foi péssimo para a “Folha”, porém poderá ainda trazer dividendos. Foi mais danoso para os concorrentes que se fingiram de mortos e assumiram uma posição subalterna e ambígua. Como se não fosse com eles. Era, sim, pois uma imprensa que abre mão da disputa e do debate está condenada a calar-se para sempre.