Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O prazer de ser surpreendido

Para que serve a manchete do jornal?

Tradicionalmente, sempre serviu para atrair a atenção de potenciais leitores, fazendo com que se aproximem do local onde o produto está exposto. Essa proximidade, teoricamente, aumenta as chances de o cidadão ter seu interesse atraído para o conjunto do noticiário. Por esse motivo, os redatores tratam de estabelecer uma relação entre os textos da primeira página e o universo de conhecimento de um determinado público.

Supõe-se que a manchete e os temas principais escolhidos para a primeira página devam produzir ao mesmo tempo uma sensação de reconhecimento e de novidade, uma vez que o jornalismo pretende ser uma continuidade do já sabido, com as versões sempre novas que a realidade produz.

Não ocorre, portanto, a um editor, estampar nessa fachada questões que não pertencem ao universo do seu público. É por isso que o leitor típico de um jornal de economia normalmente passa distraído pelas chamadas das revistas de fofocas da TV.

No entanto, embora esses sejam rudimentos básicos do jornalismo, discute-se atualmente se não seria conveniente mudar esse padrão, uma vez que a abertura de novas fontes informativas, que se multiplicam nos meios digitais, estaria expandindo o universo de interesse dos indivíduos.

O mesmo cidadão que centraliza suas preocupações no desempenho da economia, por exemplo, pode muito bem ser um apaixonado por novelas ou por futebol, de modo que a ampliação do escopo de determinado veículo de comunicação também reforce seu vínculo com este ou aquele segmento da população.

A dificuldade em abordar temas novos está justamente na necessidade de fazer com que o leitor reconheça, a cada nova edição, elementos daquilo que já faz parte de sua cultura. O risco, nesse caso, é que, distraído pela profusão de informações de maior ou menor interesse nas redes digitais, o cidadão considere que tudo é irrelevante. Por isso, um dos fundamentos do jornalismo ainda é a capacidade de surpreender o público.

No caso da imprensa brasileira, os últimos anos revelam a adoção de uma estratégia oposta a esse fundamento: engajados num projeto político, os jornais se dedicam a repetir um mesmo discurso, e perdem o caráter de novidade.

Mais do mesmo

Houve tempo, até o final do século passado, em que pelo menos um dos grandes jornais de circulação nacional, o Estado de S.Paulo, mantinha essa discussão como parte da rotina de seus editores, que eram estimulados a questionar as escolhas uns dos outros, para fazer com que os especialistas saíssem de seus casulos para facilitar a compreensão dos conteúdos que propunham para os leitores mais – digamos – genéricos.

Havia uma constante preocupação em fazer com que cada edição pudesse representar uma visão da História a partir da janela daquele dia específico.

Esse processo aumentava a autonomia dos editores, redatores e repórteres, porque eles tinham uma noção mais clara dos valores que deveriam perseguir ao fazer suas escolhas de todos os dias, contemplando o que se convencionava ser o interesse da sociedade.

Hoje, apanha-se o conjunto das primeiras páginas dos principais diários do país e, excetuando-se o viés partidário evidente em todos eles, o que se lê dá a impressão de que os jornalistas escrevem para si mesmos, ou para seus patrões.

Observe-se, por exemplo, a manchete da edição de terça-feira (19/5) do Estado de S.Paulo: “Por ajuste, Planalto quer fim da desoneração em 2015”.

É preciso ter acompanhado com atenção o noticiário específico dos últimos dias para entender que o jornal se refere ao fim da redução da contribuição previdenciária das empresas sobre a folha de pagamentos, benefício criado em 2011 para estimular a competitividade e aumentar a oferta de emprego.

Pressionado pela necessidade de aumentar sua receita e cortar gastos, o governo quer interromper essas desonerações ainda neste ano. O preço, claro, é a concessão de cargos para quem votar a favor.

Mas, embora se imagine que a imprensa está empenhada em fazer a denúncia dos modos viciados da política, os editores parecem enfeitiçados pelo objeto de suas narrativas. Repórteres e colunistas de política repetem cacoetes de suas fontes prediletas, jornalistas que cobrem o mercado de ações se imaginam grandes investidores. Como resultado dessa simbiose, o noticiário é uma repetição enfadonha de fatos conhecidos, e as manchetes não surpreendem ninguém.

O jornalista que se coloca como protagonista dos fatos que relata perde a capacidade do distanciamento crítico.