Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>O trem da crise
>>Traduzindo o economês

O trem da crise

Os jornais têm sido cautelosos ao noticiar a crise financeira internacional. Mas o presidente Lula não parece satisfeito com a cobertura.
Alberto Dines comenta:


Alberto Dines:

– O presidente Lula voltou a criticar a imprensa nesta  terça-feira, como informou ontem à noite, o portal ultimosegundo. Desta vez a imprensa foi atacada por dar a impressão de que o Brasil será afetado pela turbulência nos mercados americanos. Mais uma vez, o presidente não tem razão. Naquela manhã, a crise no sistema financeiro internacional sequer foi destacada no alto da primeira página dos três jornalões nacionais. O mesmo aconteceu no dia anterior, segunda-feira. Ao contrário, o noticiário econômico dos últimos dez dias vem salientando a diferença entre a solidez da nossa situação macroeconômica e a sua fragilidade nas crises anteriores. A crítica presidencial não faz sentido: um jornal jamais conseguiria manter um ambiente de volatilidade por mais de meia hora. Seria logo desmentido e desmoralizado. O sistema financeiro mundial hoje está articulado e vigilante, basta ver a reação coordenada dos bancos centrais do primeiro mundo ao injetar de forma sincronizada quantidades formidáveis de recursos para restabelecer a liquidez e evitar que a turbulência afete a economia real.  Forçar uma crise equivale a um suicídio, nenhum jornal ou jornalista gostaria de provocar um ‘crash’, eles seriam os primeiros prejudicados. Os inimigos da nossa estabilidade são outros. Quem pode tirar o sono da equipe econômica não é a cobertura da turbulência internacional, mas a possibilidade de aprovação do ‘trem da alegria’ pela Câmara dos Deputados.


Cuidado com o dólar

Dos três mais influentes jornais brasileiros, apenas o Estado de S.Paulo dá destaque à manifestação do presidente da República, em sua manchete sobre a crise financeira internacional.

Os jornais omitem a crítica de Lula contra o alarmismo que, afinal, não está acontecendo, e reproduzem afirrmações do presidente, segundo o qual o problema é dos Estados Unidos e dos bancos americanos.

A imprensa diária, de fato, demonstra maior preocupação com a oscilação do dólar, mas de modo geral evita expressões mais preocupantes.


Mão pesada

O tom mais pesado, como sempre, é dado pela Folha de S.Paulo, destacando que investidores estrangeiros estão vendendo ativos brasileiros.

Mas se o leitor prestar atenção, vai notar uma contradição na reportagem: o título afirma que, com o aumento da crise, cresce a saída de estrangeiros do Brasil. Mas o texto que vem logo abaixo informa que, segundo levantamento da corretora Merryl Linch com 181 gestores de fundos no mundo, os investidores ainda acreditam nas ações de países emergentes como o Brasil.


Traduzindo o economês

O que falta aos jornais de hoje é definir o contexto da crise. Os principais diários brasileiros ainda não conseguiram dar ao leitor uma idéia da extensão do problema, por exemplo, informando o tamanho proporcional dos capitais sob risco nos Estados Unidos.

Quando se completa a primeira semana de turbulências, finalmente a linguagem dos cadernos especializados se rende ao português.

O Estado de S.Paulo ainda arrisca uma expressão de puro economês.

Ao listar as causas técnicas da crise, o jornal paulista fala em ‘desalavancagem’ por parte de investidores no exterior.

Mais adiante, o jornal explica que, como o crédito estava barato, vários fundos internacionais pegavam dinheiro emprestado para obter rentabilidade superior ao custo do empréstimo, em valores acima de seus patrimônios. Como os bancos cortaram esses créditos favoráveis, os fundos são obrigados a vender os ativos para pagar o que devem. Isso é desalavancagem.

O leitor suspira de alívio.


Trem da alegria

A imprensa começa hoje a calcular o prejuízo que pode causar às contas públicas a iniciativa do Congresso, de conceder estabilidade a cerca de 260 mil servidores contratados sem concurso.

O Estado de S.Paulo traz uma reportagem revelando que a medida pode tirar da Previência Social uma receita anual de 4 bilhões de reais, recolhida dos servidores contratados pela CLT.

Além disso, um dos projetos pode agravar o rombo nas contas da Previdência, pois esses milhares de novos efetivos seriam beneficiados pela aposentadoria integral do serviço público federal, sem terem contribuído para ela.


Contas em alta

Mas o outro bolso do governo continua cheio. Os jornais destacam hoje que a arrecadação disparou, com um aumento de mais de 20 bilhões de reais no primeiro semestre.

Os jornais comentam que esse aumento da arrecadação poderia compensar até mesmo a extinção da CPMF, que produz cerca de 38 bilhões de reais por ano.

Mas a Contribuição Prrovisória sobre Movimentação Financeira deve continuar, provisoriamente, por muito mais tempo.

Com a ajuda a oposição, o governo conseguiu ontem fazer passar na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a constitucionalidade do tributo que é pago compulsoriamente.

Agora a batalha vai para os plenários da Câmara e do Senado.


Por trás da notícia

A Folha de S.Paulo não considerou encerrada sua obrigação com a prisão do traficante colombiano José Carlos Ramírez Abadía.

E presta um bom serviço aos seus leitores.

O repórter Mário César Carvalho continuou na marcação e apurou que o criminoso confessou que havia pago propina à polícia paulista para libertar três cúmplices que haviam sido sequestrados. Por policiais .

Segundo a Folha, foram 1 milhão e seiscentos mil reais de resgate.

Ou seja, antes da ação da Polícia Federal, que localizou e prendeu o traficante, a polícia estadual já sabia onde ele se encontrava.

A Folha indica que foram identificados pelo menos um delegado e quatro investigadores, cujos patrimônios estão sendo analisados.

Eles pertencem ao Denarc – Departamento de Investigação sobre Narcóticos, que deveria estar empenhado em prender o traficante.


Bandidos de carteirinha

A reportagem observa que a investigação deveria ser sigilosa, mas até policiais do Denarc já conhecem detalhes da operação.

Não é o primeiro caso envolvendo policiais paulistas com o crime organizado.

Há poucos meses, um grupo de policiais civis foi acusado de proteger a máfia do videopóquer.
Como apareceu, a notícia sumiu dos jornais.

O repórter da Folha farejou mais um caso de corrupção e acertou.

O novo episódio reforça a percepção de que o crime organizado só existe com a mãozinha de policiais corruptos.


Mercado de almas

Uma notícia curiosa, produzida pelo correspondente do Estado de S.Paulo em Genebra, na
Suíça, nos informa que as igrejas protestante, católica e ortodoxa estão negociando um acordo para regulamentar a conversão de fiéis.

As conversações, que deverão ter várias etapas até 2010, surgiram por conta da agressividade das igrejas evangélicas na colheita de novos adeptos e da concorrência pesada que se verifica em lugares como a Índia, Nigéria, Turquia e países do Oriente Médio.

Nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo, a agressividade de pastores das seitas pentecostais desagrada as igrejas protestantes tradicionais e a igreja católica.

O cenário, Genebra, lembra as reuniões da Organização Mundial do Comércio.

Podemos estar assistindo o nascimento da Organização Mundial do Comércio de Almas.