Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Olhando para dentro do Brasil
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Olhando para dentro do Brasil

O Estado de S.Paulo resolveu dar uma olhada no interior do Brasil durante o final de semana.

No domingo, publicou reportagem anunciando que o governo vai alterar o estatuto dos povos indígenas, que foi criado em 1973, e prever os casos em que os índios deixam de ser inimputáveis.

Hoje, o jornal paulista publica o resultado dos estudos de um geógrafo sobre as complexidades do setor agrário brasileiro, onde convivem empreendimentos sustentáveis, alta tecnologia com práticas medievais de agricultura e trabalho escravo.

O chamado “Brasil profundo” andava longe das páginas dos jornais, constantemente atraídos pela vida mais dinâmica nas grandes cidades, com seus problemas complexos e a grandiosidade de seus números.

Por essa razão, é bom sinal o fato de um dos principais diários de influência nacional dedicar algum esforço – ainda que seja analisar um trabalho acadêmico ou um projeto de lei – para tentar entender o Brasil que se estende pelo interior do continente.

A reportagem sobre o fim da inimputabilidade dos indígenas, por exemplo, revela os cuidados dos legisladores em conhecer as características dos povos nativos, para definir em que circunstâncias seus integrantes podem ser responsabilizados criminalmente segundo as normas dos brancos.

De certa maneira, olhar a questão indígena sem condescendência é uma forma de também superar preconceitos e restringir a desinformação que grassa nas zonas urbanas sobre o que é realmente a vida de índio.

A reportagem sobre o Atlas da Questão Agrária Brasileira, tese de doutorado do geógrafo Eduardo Gerardi, da Universidade Estadual Paulista, também merece registro, por finalmente oferecer um retrato amplo do mundo agrário, que é composto não apenas pelos agronegócios e pelos movimentos sociais dos sem terra, sempre mais visíveis na mídia.

Ambas iniciativas são excelentes.

O problema é que os jornais apenas visitam o Brasil profundo muito esporadicamente, e quase sempre sem sair do conforto do ar condicionado.

Sem a vivência do repórter, sem a descrição ao vivo da realidade que se vive além das linhas de edifícios da cidade, o Brasil interno ainda é um território praticamente desconhecido pela imprensa.

Sem continuidade

Alberto Dines:

– Como os jornais saem todos os dias e os fatos não são estanques, supõe-se que os assuntos de uma edição deveriam ser acompanhados nas edições seguintes. Suposição errada: nossos jornais procuram a descontinuidade e, não, a continuidade.

Isso fica mais nítido nos fins de semana e principalmente nos feriadões como o que se encerrou ontem. Durante três dias – sexta, sábado e domingo – as primeiras páginas foram armadas com assuntos de gaveta, sem conexão com o noticiário dos dias anteriores. Nem a greve de fome do presidente boliviano Evo Morales, os desdobramentos da Operação Satiagraha ou os incríveis desperdícios do dinheiro do contribuinte pelos congressistas conseguiram empolgar e produzir encadeamentos mais consistentes.

A causa está no estranho sistema adotado na redações brasileiras nos últimos anos: sim, os jornais são diários, saem todos os dias mas o trabalho é intermitente. Nos dias que antecedem os feriadões as equipes desdobram-se, preparam matérias por antecipação, a continuidade e a atualidade que se danem.

Veja-se o caso do Pacto Republicano de Estado que será assinado hoje pelos presidentes dos três poderes, um esforço conjunto para acabar com o que se convencionou chamar de “estado policialesco”.

O assunto só apareceu na capa do Estado de S. Paulo na sexta-feira, mereceu um lembrete do Globo no sábado e sumiu. Sumiu porque é um factóide. Mais grave do que o estado policialesco é a corrupção no aparelho policial e a violência solta nas ruas. Cada dia uma nova pauta e nesta interrupção do fluxo noticioso pode estar a explicação para a atual crise do jornalismo impresso: se o jornal não se fixa e vive trocando de música, o leitor dança.