Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

>>Os diretores ocultos
>>A morte do deputado

Os diretores ocultos

De repente, a imprensa descobre que o Senado da República tinha nada menos do que 181 diretores.

Como são 81 os senadores, então temos mais de um diretor para cada senador.

Há diretores para assuntos como administração de residências, licenciamento de automóveis, e até um diretor de check-in, para assegurar os embarques de suas excelências em suas viagens para as chamadas bases eleitorais.

Ah, e tem até um diretor de autógrafos!

Afinal, onde se escondiam tantos diretores antes de serem descobertos?

São muitos motivos de escândalo em uma só notícia.

Primeiro a obviedade do inchaço que caracteriza a gestão do Congresso Nacional.

Ali se juntam as maiores sinecuras do País, apoiadas numa estrutura de cargos inventados apenas para garantir os altos proventos dos apaniguados.

Segundo, o fato de que, nas sucessivas legislaturas, ninguém percebeu a proliferação de diretorias.

Terceiro, o Legislativo não tem uma corregedoria de fato, e somente se movimenta quando as falcatruas chegam ao conhecimento público.

Pois que fique o público sossegado: o presidente do Senado, José Sarney, vai moralizar os costumes.

Ele assinou um convênio com a Fundação Getulio Vargas para reorganizar o modelo administrativo da casa.

Mas a auditoria deve demorar pelo menos seis meses somente para completar o diagnóstico.

Será que o interesse da imprensa no assunto suporta tanto tempo?

Talvez fosse o caso de ir cortando desde já os exemplos mais escabrosos, mas para isso também é preciso que a imprensa faça as perguntas pertinentes.

Ainda agora, por exemplo, a Câmara está estudando o fim das verbas indenizatórias, mas os deputados querem que o valor seja somado aos seus salários.

A imprensa precisa manter os olhos bem abertos.

Afinal, a atual onda de revelações sobre os abusos no Congresso começou quando os jornais redescobriram o castelo do deputado Edmar Moreira, quando ele foi nomeado corregedor da Câmara.

Se o próprio Legislativo não se interessa em manter um mínimo de respeito pelos valores que lhe são confiados, fica-se nas mãos da imprensa.

E como se viu em pouco mais de dois meses, não se pode deixar que o poder público cuide de si mesmo.

É preciso que o público esteja sempre cuidando do poder.

A morte do deputado

Os jornais noticiam que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o projeto de lei complementar 115, de autoria do falecido deputado Clodovil Hernandes, que altera a Lei de Registros Públicos e permite ao enteado ou enteada assumir o sobrenome do padrasto ou da madrasta.

A comissão considerou o alcance social da proposta e os parlamentares se sucederam na tribuna para elogiar o falecido.

Os jornais também fizeram a cobertura do velório do deputado, ex-estilista e ex-apresentador de televisão.

Interessante observar como o óbito é capaz de restaurar biografias, calar ressentimentos e refazer reputações.

No dia em que sofreu o acidente vascular cerebral que acabou se revelando fatal, fazia uma semana que Clodovil Hernandes havia sido absolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral da acusação de infidelidade partidária.

Ele correu o risco de perder o mandato por trocar o PTC, pelo qual foi eleito com mais de 493 mil votos, pelo PR.

O deputado alegava perseguição e falta de ética no antigo partido para trocar de sigla.

Desde que assumiu, em 2006, Hernandes, que nunca dissimulou sua homossexualidade, havia protagonizado algumas cenas controversas e ultrapassado eventualmente a barreira do decoro em discussões com outros parlamentares.

Não eram poucos os deputados e senadores que evitavam sua companhia.

Por outro lado, ele nunca contou com a simpatia dos jornalistas de política.

Era tido como mais um elemento exótico no grande circo de Brasília.

Agora, a imprensa descobre que Clodovil Hernandes era mesmo um parlamentar.

E um parlamentar mais ativo do que a maioria deles.
E que foi autor de um projeto de interesse social, apresentado na Câmara logo no começo do seu mandato.

Mas o corpo ainda não havia sido enterrado e os dois partidos, PR e PTC, ja disputavam a vaga do deputado morto.

Seria o caso de lembrar, em latim duvidoso, a definição dos bajuladores: “Cave canem, te necet lingendo”, ou seja: “Cuidado com o cachorro, ele pode te matar de tanto lamber”.