Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Paz à vista
>>Sobre a vida humana

Paz à vista

A imprensa brasileira comemora a intervenção da Organização dos Estados Americanos, que reconheceu oficialmente a invasão do território equatoriano pelo exército da Colômbia, mas evitou antecipar uma condenação ao governo colombiano.

Segundo os jornais, a decisão rápida e equilibrada diminui a tensão militar, restringindo a crise ao ambiente político, onde predomina a negociação e não as armas.

A cobertura é mais ou menos homogênea, mas claramente os jornais paulistas, o Estadão e a Folha, demonstram possuir estruturas mais especializadas para a cobertura internacional.

O Estado de S.Paulo sempre procurou manter uma equipe de redatores especializados, embora tenha perdido alguns profissionais mais experientes nos últimos anos.

A Folha demonstra possuir agilidade na cobertura de detalhes, embora perca na visão de conjunto dos fatos.

Um exemplo dessa diferença pode ser percebido na cobertura que os dois jornais fazem da reunião da Organização dos Estados Americanos.

O Estadão usou os serviços de três agências internacionais e dois jornalistas de sua equipe. Priorizou a estratégia adotada pelos representantes diplomáticos, de restabelecer o princípio da inviolabilidade territorial, que condena a Colômbia e agrada o Equador, mas sem estabelecer punição para os colombianos.

A Folha usou apenas seus recursos próprios e cuidou de preservar os detalhes observados por seu enviado à reunião em Washington, para dar aos leitores um gostinho de exclusividade.

O Globo, teoricamente o jornal brasileiro com mais recursos de captação e tratamento das notícias, por pertencer ao maior grupo de comunicação do País, é o único diário a tomar partido explícito, na direção oposta à que é indicada pela decisão da OEA.

Num daqueles minieditoriais infiltrados no meio do noticiário, o jornal carioca defende o direito da Colômbia de invadir países vizinhos para combater as Farc.

É a mesma justificativa usada pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush, para ações militares no Afeganistão e no Iraque.

Mas não é o tipo de abordagem que contribui para o ambiente de paz e prosperidade que os latino-americanos vinham buscando antes do incidente no Equador.

Sobre a vida humana

Uma leitora atenta dos jornais brasileiros observa que as discussões sobre as pesquisas com células-tronco, objeto da Lei de Biossegurança cuja constitucionalidade está em julgamento no Supremo Tribunal Federal, deixam escapar um detalhe importante.

A Ação Direta de Inconstucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República contra o uso de células-tronco embrionárias para pesquisas científicas e terapias está baseada na suposição de que a vida humana começa na fecundação, e, portanto, um embrião possui direitos correspondentes aos dos nascidos.

O princípio, mais afeito aos territórios da religião que aos da ciência, é brandido por representantes da Igreja Católica contra a aprovação da lei que pretende regulamentar as pesquisas com células retiradas de embriões.

O que a leitora observa é que a imprensa não perguntou ainda – e não registrou nenhuma declaração espontãnea dos adversários da Lei de Biossegurança – sobre a questão do descarte de embriões não utilizados para a reprodução.

De fato, se a vida humana está presente no embrião que, mais adiante, poderá ou não evoluir para o desenvolvimento de uma pessoa, também está presente no embrião que futuramente seria considerado inadequado para a reprodução.

Ora, o texto da Lei de Biossegurança que os religiosos querem bloquear prevê que só podem ser usados para pesquisa os embriões que serão descartados.

Portanto, está aí uma boa pergunta a ser feita aos inimigos da lei: considerando que os embriões não destinados à reprodução vão para o lixo, pois o lixo é o nome do descarte, por que o lixo é um destino mais aceitável do que a tentativa de salvar outras vidas humanas através das pesquisas?

Ou será que as mesmas forças que se opõem às pesquisas que podem salvar vidas também são contrárias à fecundação assistida?