Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Polícia e política
>>Rigor para corrupção e para denúncias

Polícia e política
 
O critério para medir o que aconteceu ontem nas favelas do Alemão e da Penha, no Rio, não é técnico. É político. O governador avalia se, em meio a um impasse de dois meses, atacar em grande estilo rende ou tira votos, e libera a polícia para fazer uma incursão mais violenta. Isso aparece com muita clareza no noticiário sobre a “batalha” de ontem, realizada, como era de se prever, às vésperas do Pan.
 
O único jornal importante que publica ressalvas à ação policial é o Estadão. A Folha se limita a descrever a ação policial. O Globo e o Dia navegam nas águas do discurso oficial. O Dia, que recentemente demitiu o diretor de redação Eucimar Oliveira e o colunista Dácio Malta por terem se recusado a silenciar críticas ao governador Sérgio Cabral Filho, chega ao servilismo de publicar editorial cujo título é tirado da fala do Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame: “Remédio amargo”. É só amargo. Não é remédio. E está sendo ministrado perversamente há décadas. Com os resultados que todos conhecem.


Polícia já fez mais com menos
 
Veterano repórter, Luarlindo Ernesto nota que o principal cabeça do tráfico no Alemão, Antônio José de Souza Ferreira, o Tota, não foi preso. E lembra que em operações anteriores, há dez anos, com muito menos gastos em homens-hora, combustíveis e armas, a polícia já produziu efeitos proporcionalmente maiores contra bandidos.


A voz da polícia
 
O jornal O Dia afirma logo no início de seu noticiário que a operação, cujo objetivo era prender traficantes e apreender armas,  “deu certo”. Mas não houve prisões, só mortes, e o mesmo jornal noticia que: primeiro, os bandidos sabiam da ação policial; segundo, foram apreendidos 13 fuzis, enquanto um delegado falava em 300 fuzis nas mãos de bandidos.
 
É espantoso como os jornais compram a versão das autoridades de que os mortos eram bandidos. Sem nem sequer fazer a ressalva de que se trata de afirmação da polícia.
 
Rigor para corrupção e para denúncias
 
Alberto Dines diz que não se pode, em nome do combate à corrupção, ser indiferente aos métodos usados para denunciá-la.
 
Dines:
 
– Mauro, vou pedir licença aos ouvintes para usar a primeira pessoa e contar um episódio ocorrido ontem na ponte aérea Rio-S.Paulo. Um desconhecido aproximou-se e disse de uma forma muito afável: “Seja mais tolerante!”. Perguntei: “Mais tolerante com quem?” E ele respondeu: “Seja mais tolerante com a imprensa.”  Foi adiante: “A imprensa tem muitos defeitos, mas neste momento é a única capaz de revelar o tamanho da corrupção.” Ele certamente assistiu ao Observatório na TV na noite de terça, quando tratamos da diferença entre o denuncismo sem provas e o jornalismo investigativo e assuntos correlatos. E pensei: a tolerância zero com a corrupção admite  meia tolerância com certas formas de combatê-la? Não podemos ser igualmente exigentes em tudo o que fazemos? O rigor num aspecto pode conviver com a leniência em outro? Este talvez seja o grande drama nacional.


Segurança pública e lucro privado
 
A Folha publica hoje denúncia importante a respeito da participação, em empresa de segurança privada, do delegado Youssef Chahin, chefe do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado, Deic. A reação do chefe da Polícia Civil, Mário Jordão Toledo Leme, é de aceitação da dupla condição de policial e empresário de seu colega. O governador José Serra mandou dizer que o secretário de Segurança daria uma resposta oficial à imprensa, mas Ronaldo Marzagão não falou ontem.
 
A ligação de policiais com empresas de segurança privada é um dos elementos mais esclarecedores de um quadro de contínuo agravamento da insegurança pública no país. Mas a imprensa não cobre o assunto sistematicamente.


Proteger as crianças
 
O governo recuou ontem do exame prévio de programas de televisão para definição de classificação indicativa. Mas, segundo o noticiário, não abrirá mão da vinculação entre faixas etárias e horários de exibição, respeitando-se os diferentes fusos horários, o que impediria que em parte do país programas não indicados para menores de 14 anos fossem vistos no horário em que eles estão livremente diante da televisão. A entrada em vigor da portaria do Ministério da Justiça que regula o assunto foi adiada mais uma vez, para que governo e redes de televisão possam ter nova rodada de discussão.
 
O importante, no caso, é deixar patente que as redes de televisão devem obedecer a preceitos constitucionais que buscam proteger crianças e adolescentes.