Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

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Predadores no poder

Se não fosse por uma pequena nota escondida no Globo, noticiando em dois parágrafos a nova lista dos maiores desmatadores da Amazônia, e os jornais teriam passado em branco outra vez diante do desafio nacional da preservação do maior patrimônio biológico do mundo.

Enquanto se desenrola em Brasília o enredo de um crime anunciado – crime contra a humanidade – a imprensa faz escândalo por causa de um blog da Petrobrás e concede páginas e páginas a indicadores antigos sobre o desempenho da economia.

Noticiada no varejo, a sucessão de acontecimentos que apontam para um grave retrocesso na política ambiental do Brasil não parece sensibilizar a sociedade, distraída com outros temas miúdos.

Aproveitando a conveniência de costurar alianças políticas para as eleições de 2010, a bancada ruralista e outras forças contrárias ao maior rigor na legislação ambiental vêm obtendo importantes vitórias.

Um manifesto liderado pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social e outras entidades, que circula pela Internet há cerca de uma semana sem conseguir sensibilizar a chamada grande imprensa, observa que a ofensiva do “lobby da insustentabilidade” conseguiu em novembro de 2008 modificar e fragilizar a legislação florestal, menos de cinco meses após sua edição.

Além disso, foi revogada a legislação de 1990 que protegia as cavernas, para favorecer projetos de hidrelétricas e, de maneira coordenada, seguiu-se a Medida Provisória 458, que, ao regularizar as posses de terras públicas por agricultores da Amazônia, abre a possibilidade de legalizar a situação de grileiros e desmatadores.

Enquanto a medida era discutida no Congresso, tentou-se acabar com o licenciamento ambiental para ampliação ou recuperação de rodovias.

Por último, animada por essas conquistas, a bancada ruralista, apoiada pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, propõe a revogação do Código Florestal e a anistia a todas as ocupações ilegais em áreas de preservação permanente.

Tudo isso acontece e é noticiado, mas de maneira esparsa e sem destaque.

O futuro do Brasil parece entregue aos predadores.

E a imprensa não considera importante.

Sinal dos tempos

Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:

– Há muito não se via tamanho frisson na blogosfera brasileira. Desde terça-feira passada, a Petrobras mantém um blog (Fatos e Dados) no qual vem postando com regularidade comunicados próprios e as perguntas enviadas pelos veículos de comunicação à sua assessoria de imprensa. De acordo com a empresa, “o blog foi lançado com o estrito objetivo de garantir a total divulgação dos esclarecimentos solicitados pela imprensa e as respectivas respostas enviadas aos jornalistas”.

A iniciativa foi muito mal recebida pelos jornais. Em sua edição de ontem (9/6), O Globo deu um editorial intitulado “Ataque à imprensa”, no qual acusa “o indisfarçável objetivo intimidativo da empresa”. Na segunda-feira (8/6), a Associação Nacional de Jornais já havia classificado a ação da Petrobras como uma “canhestra tentativa de intimidar jornais e jornalistas” (ver aqui). Reações contrárias também vieram da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ver aqui) e do presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Sergio Murillo de Andrade, em declarações a O Globo (ver “Estatal é criticada por vazamento”).

Essa iniciativa da Petrobras foi evidentemente um movimento de defesa diante do fogo cruzado a que a companhia vem sendo submetida desde a aprovação, no Senado, de uma CPI para investigar supostos contratos superfaturados e beneficiamentos indevidos em convênios com ONGs alinhadas ao partido do governo. Registre-se que não há irregularidade alguma na atitude da companhia em montar um blog, embora seu modus operandi deva ser questionado. Por que a empresa não optou por divulgar as perguntas e respostas dos jornalistas depois – e não antes – de a matéria ser publicada? Seria mais justo com o trabalho dos repórteres que cobrem as atividades da maior empresa do país. E mais saudável, também. Restará verificar, ainda, se a Petrobras dedicará o mesmo tratamento à imprensa estrangeira.

De todo modo, a atitude da companhia não é uma revolução no jornalismo brasileiro, como já foi classificada por críticos mais afoitos. É apenas um sinal de que, também no jornalismo, o diálogo tende a sobrepujar o discurso unívoco. Um sinal dos tempos. Mais um.

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