Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Programa 382
>>O último round
>>Crise do conhecimento político


O último round


Alberto Dines:


– Impossível prever agora o clima e as reações dos candidatos no debate de hoje à noite na TV-Globo. Será o último round antes do enfrentamento nas urnas e quaisquer que sejam os resultados do próximo domingo, uma coisa é certa: o país precisará entrar em obras imediatamente. Não apenas para restabelecer um mínimo de convivência política, mas sobretudo para remendar o processo decisório dos últimos meses esgarçado pelas exigências eleitorais nem sempre as mais ponderadas, como sabemos. Os candidatos estão estressados e a administração pública, comprometida. Tudo precisará ir para o estaleiro. Inclusive o idioma tão agredido pela retórica, pela demagogia e pela veemência dos palanques. As palavras precisarão ser recuperadas em matéria tanto de significado como de valor. A sociedade precisará ser submetida a um intenso treinamento para reaprender a encarar certas realidades nos últimos meses escamoteadas pela indignação de uns e arrogância de outros. É natural que uma nação fique dividida às vésperas de uma eleição majoritária. A democracia oferece soluções para casos como esse. Mas a democracia não é uma fórmula mágica e indolor. Hoje à noite vamos ter espetáculo. Na segunda-feira, começa a dolorosa faxina.



Crise do conhecimento político


O professor da USP Gildo Marçal Brandão diz que a mídia parece ter hoje menos autonomia do que no passado para obter informações.


Gildo:


– A mídia cumpre o seu papel. Ela discute, ela denuncia, ela vocaliza as coisas da sociedade. É preferível uma imprensa até que cometa excessos do que uma imprensa que não fale nada. A imprensa hoje faz pressão sobre qualquer governo. Fez isso também nos governos anteriores, está fazendo neste, talvez um pouco mais. O elemento negativo da mídia, hoje, posso estar enganado, é que ela hoje tem menos autonomia na busca das informações. Na verdade ela corre atrás do que outras agências políticas produzem. A idéia de que a imprensa investigava mais antes do que hoje – controla informação, obtém informação de suas próprias fontes, a minha impressão é de que no passado isso se fazia mais do que hoje. A imprensa acaba, muitas vezes, sendo levada a vocalizar coisas que ela não sustenta.


Mauro:


– Gildo Marçal Brandão diz que faz parte da crise política uma crise de conhecimento da política com repercussões nos meios de comunicação.


Gildo:


– No Brasil, hoje, existe não apenas uma crise política, mas uma crise do conhecimento da política. Isso afeta as universidades, a minha área – a ciência política. Grande parte do debate hoje reflete isso. Hoje é muito difícil você, por exemplo, abrir um jornal, pegar um ou vários artigos que estejam discutindo coisas novas consistentemente. A idéia de que há uma baixa no entendimento dos problemas que estão ocorrendo – e inclusive, até certo ponto, pelo menos na minha área, uma negação de que há crise – leva tanto a universidade quanto a imprensa, que reflete um pouco a universidade, nisso, a simplesmente não contribuir para fazer avançar o entendimento e a busca de saídas para a situação atual.


Mauro:


– O professor Gildo Marçal Brandão lamenta o precário conhecimento da História brasileira revelado por jornalistas e no ambiente universitário. E critica a prática, muito disseminada, de se fazer uma entrevista não para ouvir o que o entrevistado tem a dizer, mas para fazê-lo dizer algo que se espera que ele diga.


Gildo:



– As novas gerações de jornalistas e de acadêmicos, o nível de informação delas sobre determinadas coisas históricas no Brasil é, para dizer o mínimo, precário. Os jornalistas vão entrevistar as pessoas sem saber de absolutamente nada sobre o passado. Esperam que o entrevistado dê, digamos, a batata descascada para eles. Esse é um outro problema que afeta a imprensa e que, paradoxalmente, convive com um grau de editorialização do noticiário muito ruim. Às vezes um jornalista vem com uma pauta já pronta, e quer a opinião do sociólogo, do cientista político, para convalidar apenas o que ele já trouxe da redação. E isso leva às vezes a gente até a não querer dar entrevista, porque não sabe nem como vai ser usado.