Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Programa 387
>>A onda anti-mídia
>>Ambiguidade

A onda antimídia


Alberto Dines:


– Esta onda antimídia está ganhando proporções de verdadeiro linchamento. E como vivemos na era da internet trata-se de um linchamento digital. Digital mas não virtual. Linchamento como todos: agressivo, delirante, sumário e, sobretudo, covarde, produzido por um rancor jamais visto entre nós.


Ontem na Folha [2/10], a colunista de política Eliane Cantanhêde denunciou a avalanche de e-mails ofensivos e ameaçadores que atulha a caixa postal de jornalistas e veículos. Ela não é a única vítima desta insanidade. As mensagens são evidentemente enviadas por militantes petistas, mas não se sabe se fazem parte da facção dos “aloprados” mencionada pelo presidente Lula. Certo é que distanciaram-se da bandeira do “paz e amor” que deu a vitória ao PT em 2002. Gente assim, que aposta no vale-tudo, foi capaz de comprar o Dossiê Vedoin para divulgá-lo às vésperas do primeiro turno e agora reclama porque a imprensa acompanhou todos os seus lances.


A razão do ministro


O estouro da manada nunca acontece por acaso. Alguém a provoca. Neste episódio é possível que alguém a esteja orquestrando através do ressentimento fabricado no momento em que se levou a mídia para os palanques eleitorais e os transformaram em justiçamentos sumários. São os aprendizes de feiticeiros que sabem como criar um clima de quebra-quebra, mas não sabem como evitar as vítimas fatais. Neste caso, a vítima é o respeito humano e também o Estado de Direito.


A verdade é que cinco dias depois da espetacular façanha eleitoral, seus vencedores estão mais preocupados com o panorama político pós-eleitoral do que estavam antes da votação. E não é por causa da oposição. Também não é por causa da disputa interna em torno da política econômica. A violência antimídia – seja ela física ou digital – mostra que o ministro Tarso Genro tem razão quando lembra que há “resíduos de autoritarismo” em militantes do PT.


Não foi apenas o PT que sofreu o rigor da ditadura, mas uma ala do PT parece disposta a reavivar o seu clima de terror e intimidação.


Mauro:


Ambigüidade


O professor de política Marco Aurélio Nogueira, da Unesp, da PUC e da Unicamp, diz que a mídia, principal vetor da informação, é hoje também um obstáculo à formação, dado o excesso de informações sem qualificação.


Marco Aurélio:


– Fazer o julgamento da mídia… eu cada vez me vejo menos capacitado para fazer isso. Porque eu acho que a mídia tem hoje um comportamento extremamente ambíguo, no que diz respeito aos efeitos da sua atividade. A mídia é o principal vetor do processo de informação e, quem sabe, formação da cidadania, das pessoas, e é, ao mesmo tempo, um dos complicadores mais dramáticos desse processo. Ela ajuda e, de certa maneira, dificulta ou atrapalha as coisas. Mas aí eu acho que isso não é tanto por uma questão que tenha a ver com as intenções da mídia, até onde a gente possa eventualmente perceber essas coisas. Isso é uma espécie de problema estrutural que está aí. Porque a mídia é o conduto das informações, inevitavelmente. Nós vivemos numa sociedade com tanta informação que chega uma hora que fica todo mundo intoxicado de informação e não consegue mais discernir as coisas.


A mídia não é formadora de opinião no sentido, por exemplo, que a extrema esquerda, vamos falar assim, percebe. A “agência do capital”, “o instrumento do imperialismo que está alienando as pessoas”. Ela não é isso daí no sentido da alienação. Também não é o mecanismo que faz de maneira categórica o esclarecimento da opinião. Ela tem uma posição extremamente ambígua nesse quadro. E não é só ela que tem. Se tem um conceito que, para mim, explica este mundo é a ambigüidade. Não é “este mundo”. Acho que sempre houve ambigüidade. Só que antes acho que a ambigüidade era mais contraditória do que é hoje. Sempre ela tendia a se resolver de alguma maneira. E hoje, não, hoje a gente fica paralisado na ambigüidade da informação e dificuldade de decifrar a informação, até em outros campos: o extremo da miséria e o extremo da riqueza; uma coisa muito difícil. E a mídia flutua, como flutuam as pessoas, hoje.