Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>Sigilo quebrado
>>Pizza à paulista

Luciano Martins:

José Dirceu e os personagens do chamado mensalão, a diretora da Anac Denise Abreu, e, claro, Renan Calheiros, são os destaques de hoje nos jornais

Há também uma pizza à paulista.

Alberto Dines:

– É natural a excitação em torno do julgamento dos ’40 do mensalão’ que começa hoje no STF. A mídia cumpre a sua obrigação ao lembrar os detalhes do caso e a sua grande importância. O exercício da memória é essencial no combate à impunidade. Mas é imperioso distribuir o interesse cívico, há outras questões que ameaçam a credibilidade das instituições e que não devem ser engavetadas ou esquecidas pela imprensa. Uma delas aconteceu ontem quando a Mesa do Senado aprovou o arquivamento do processo contra o novo senador Gim Argello, graças ao voto de desempate de Renan Calheiros cuja permanência no comando da Câmara Alta é tão acintosa. O Ministro da Justiça, Tarso Genro, tem razão ao afirmar que o caso do ‘mensalão’ não respinga no governo, todos os indiciados foram afastados. Mas o ministro Tarso Genro deve uma explicação pública sobre o estranho caso do repatriamento dos boxeadores cubanos que no próximo sábado completa quatro semanas. O silêncio do governo neste caso prejudica-o em muitos outros.

Luciano:

Sigilo quebrado

Tanto fez a diretora da Anac Denise Abreu que teve quebrado o sigilo de suas contas bancárias e telefônicas e de suas declarações fiscais.

Ela é acusada de atuar na agência em favor de um empresário de Ribeirão Preto e de ter usado uma norma não-oficial para obter na Justiça a liberação da pista principal do aeroporto de Congonhas.

A liberação da pista era de interesse das empresas aéreas.

Denise Abreu está sendo apontada pela imprensa como uma diretora muito afinada com os interesses das empresas aéreas, mas o noticiário nao faz referência às ações da TAM e da Gol na liberação precoce de Congonhas.

Personalização perigosa

Depois da falta de ranhuras na pista, depois da derrapagem que não houve, depois do reversor travado e de erro do piloto, parece que os jornais encontram um ponto onde concentrar as responsabilidades pela tragédia com o Airbus ocorrida no dia 17 de junho.

A figura de Denise Abreu, captada com o charuto entre os dedos e numa seqüência de poses que sugerem arrogância e desdém, não esgota o rol de problemas que conduziram à tragédia de Congonhas.

Há ainda oito diretores da Infraero, cujos direitos a sigilo também foram quebrados.

E há por trás de tudo o inegável poder de pressão das duas empresas que dominam o setor de aviação comercial no Brasil, além da multinacional Airbus, fabricante da aeronave acidentada.

A personalização e a tendência à simplificação nem sempre conduzem a uma percepção clara de eventos complexos.

Renan em dois retratos

O jornais são unânimes em afirmar que a Polícia Federal descobriu falhas nos documentos apresentados pelo senador Renan Calheiros em sua defesa.

Mas a notícia de que aliados do presidente do Senado comemoraram o resultado da perícia pode confundir o leitor.

Talvez tenha faltado explicar que, para condenar o senador, as provas precisam ser absolutas.

A demonstração de que o presidente do Senado ficaria com saldo negativo de 20 mil reais se tivesse pago com seus próprios recursos a pensão para a ex-namorada Mônica Veloso não basta para condená-lo.

Espaço para negociar

O Globo reconhece, em um trecho da reportagem, que os peritos da Polícia Federal entendem que só uma investigação complementar pode assegurar se Renan é culpado de haver utilizado os serviços do representante de uma empreiteita para pagar despesas pessoais.

Como ainda paira sobre o Senado a ameaça de Renan Calheiros, de cair atirando o que sabe sobre outros parlamentares, os jornais devem ir com cautela ao pote.

Se Renan e seus aliados têm motivos para comemorar o resultado da perícia, é porque percebem espaço para negociação.

É de se esperar que outros senadores, aqueles que poderiam perder com um amplo debate sobre relações suspeitas no Congresso, tendam a favorecer o acusado.

Pizza à brasiliana

Para se ter uma idéia do poder de persuasão de Renan Calheiros, basta observar o resultado da votação, ontem, do pedido de processo contra o senador Gim Argello, do PTB, que substituiu o senador Joaquim Roriz.

Roriz renunciou ao mandato e escapou da cassação. É acusado de haver comandado um negócio nebuloso que teria favorecido o presidente do conselho de adminstração da empresa Gol de aviação, Nenê Constantino.

Gim Argello assumiu como suplente de Roriz já marcado pela acusação de haver participado de esquemas de desvio de dinheiro público e grilagem de terras no Distrito Federal.

Sob a presidência de Renan, a Mesa Diretora do Senado decidiu ontem arquivar o pedido de processo contra Argello, com o argumento de que, se ele cometeu algum crime, o fez antes de assumir o mandato.

O voto de desempate em favor do acusado foi de Renan Calheiros.

Pizza à paulista

A Folha e o Estado de S.Paulo destacam outra pizza, desta vez em São Paulo.

O Conselho de Ética da Assembléia Legislativa arqquivou, por 9 votos a zero, o processo contra o deputado Mauro Bragato, do PSDB.

Segundo os jornais, ele é suspeito de haver recebido, entre 2003 e 2005, 104 mil reais da empresa FT Construções.

A empresa é apontada pelo Ministério Público como centro de uma organização criminosa criada para desviar recursos destinados à construção de casas populares.

Os populares ficam sem casa, o deputado não vai ser processado na Assembléia, São Paulo mantém sua fama de terra da boa pizza.

Apenas para não perder o fio da meada, nesta profusão de novelas policiais sobre o mundo da política: hoje é o dia em que o Supremo Tribunal Federal deve decidir se abre processo contra o ex-ministro José Dirceu e seus companheiros no escândalo que a imprensa batizou de ‘mensalão’.