Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Um ano muito revelador
>>Um caso de paranóia

Balanço da Imprensa 2010
Um ano muito revelador


O ano de 2010 deixa algumas lições importantes para os observadores da imprensa e para todos os cidadãos que se preocupam com o futuro das liberdades democráticas.


O impacto dos vazamentos do WikiLeaks certamente é uma delas, com a revelação de que na sociedade hipermediada não há garantia para segredos.


Fica também a constatação de que, diante da possibilidade de uma ampla transparência nas relações de poder, a imprensa tende a se alinhar com o conservadorismo e a manutenção do sistema no qual há informações para todos e informações para alguns.


Compreende-se que a imprensa, assim como os poderes que compõem o Estado, considere que alguns assuntos não devem ser do domínio público.


Mas o fenômeno do WikiLeaks, ainda que considerado um instrumento de publicização aleatória, sem critérios jornalísticos, conseguiu sacudir o establishment e colocar sob suspeição a seriedade das razões que movem muitas decisões de Estado.


Considerando-se outras inovações nas tecnologias de comunicação e de informação, é de se questionar se o modelo tradicional da imprensa ainda tem validade.


Em muitos lugares do mundo, e em especial no Brasil, o ano de 2010 escancara evidências de que a mídia tradicional faz escolhas que nem sempre contemplam os interesses da maioria.


O trabalho de seleção e divulgação ordenada de notícias revelou-se claramente parte dos jogos de poder, e a imprensa não pode mais escapar de certos questionamentos, principalmente levando-se em conta que o seu valor sempre esteve vinculado a uma suposta missão de informar a cidadania para a defesa dos princípios democráticos.


Mas quanto e como a imprensa contemporánea contribui para o aprimoramento da democracia?


Sempre vale a pena rever os arquivos: em uma edição de domingo, 23 de março de 2003, o Estado de S.Paulo publicou artigo de Orville Schell, do New York Times, no qual ele afirmava que “o problema enfrentado por muitas empresas de comunicação não é continuar no ramo, mas continuar no jornalismo”.


Segundo o autor,  “a imprensa vem perdendo a capacidade de manter a democracia suficientemente informada para tomar decisões inteligentes”.


No caso do Brasil, já faz décadas que a imprensa tradicional vem fazendo esse esforço para abandonar o jornalismo em troca de poder, em detrimento da democracia.


Um caso de paranóia


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:


– Na quinta-feira da semana passada, a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal promoveu um debate sobre a proposta de revisão do marco legal das comunicações brasileiras. O evento reuniu representantes do governo, entidades empresariais e academia. A ideia de um novo marco legal esteve presente na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro do ano passado, e no correr de 2010 foi aprimorada no âmbito da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, que em novembro promoveu um seminário internacional sobre o tema.


Embora seja evidente a necessidade do aprimoramento da legislação existente nesse campo – caduca, defasada e anacrônica –, as entidades patronais resistem liminarmente a qualquer alteração no status quo. De acordo com noticiário da Agência Senado, o representante da Abert chegou a dizer que as leis em vigor têm respondido às novas demandas do setor – o que é um evidente exagero.


O debate se dá em um ambiente de intensa convergência de mídias, com o avanço das empresas de telecomunicações sobre as de radiodifusão no que toca à produção de conteúdo; a necessidade de revisão dos modelos de negócio tradicionais ante a disseminação e popularização da internet; e o eterno temor empresarial de que uma nova legislação atente contra as liberdades de expressão e de imprensa.


O medo da censura tem assumido contornos de paranóia em alguns círculos patronais, que querem ver o Estado distante de qualquer participação no debate sobre o novo marco. O que, na opinião do ministro Franklin Martins, pode ser um enorme equívoco. Ele diz que se o assunto for deixado apenas para o mercado resolver, “prevalecerá a lei do mais forte”.  É preciso admitir: o ministro tem razão.