Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

>>Um debate sem luzes
>>Longe do bom jornalismo

Um debate sem luzes

Cinco dias depois de anunciadas as mudanças na tributação e na administração do orçamento, com as quais o governo federal pretende compensar as perdas com o fim da CPMF, a imprensa ainda não achou o tom adequado para tratar o assunto.

Desde o dia do anúncio, 2 de janeiro, os jornais vêm repetindo o discurso da oposição e as justificativas do Executivo, fechando a possibilidade de visões alternativas sobre a medida.

As revistas semanais embarcaram no mesmo discurso, que basicamente politiza o debate econômico e pouco informa.

Na edição de hoje, a Folha de S.Paulo faz o simples e óbvio: convida dois especialistas em tributação para oferecer ao leitor versões diferentes da questão.

Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal no governo Fernando Henrique Cardoso, afirma que teria sido melhor a manutenção da CPMF, e prevê novos aumenos de impostos.
Júlio Sérgio Gomes de Almeida, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no atual governo, acha que as mudanças favorecem a competitividade de setores produtivos e diz que, no balanço geral, elas foram altamente produtivas para as empresas e para as pessoas físicas.

É o tipo de polêmica que faz o leitor pensar, ao contrário dos bate-bocas entre políticos.

As duas entrevistas levantam algumas alternativas para a avaliação das mudanças que não haviam sido apresentadas pelos jornais e pelas revistas semanais.

A informação mais importante, aquela que ajuda o cidadão a formar suas próprias idéias, demora a chegar ao leitor porque parece que a imprensa está mais preocupada em consolidar uma opinião do que em informar.

Nas edições de hoje dos jornais, o destaque ainda vai para o debate político, cujos protagonistas não têm interesse em aprofundar a questão.

Com exceção das duas entrevistas na Folha, o que o leitor recebe hoje ainda são frases de efeito e muita ironia.

A imprensa parece estar em plena campanha eleitoral.

Longe do bom jornalismo

Trata-se de um mistério que espera para ser decifrado: por que a chamada grande imprensa não consegue produzir um jornalismo empolgante, capaz de prender a atenção do leitor e assegurar uma boa reputação da atividade jornalística?

Ultimamente os exemplos de bom jornalismo raramente vêm da imprensa que predomina nos grandes centros do País.

Ouça o comentário de Alberto Dines:

– Quando se lê uma matéria como a da revista Piauí sobre José Dirceu percebe-se claramente a distância que separa nossa grande imprensa do bom jornalismo. A entrevista-perfil assinada pela repórter Daniela Pinheiro é modelar: pode ser lida como uma peça devastadora contra o ex-Chefe da Casa Civil ou como retrato de uma personalidade fascinante. Há nela dinamite suficiente para derrubar meia dúzia de figurões do PT e do governo, mas há também um rico material sobre a perigosa tangência entre o público e o privado, o mundo de negócios e a administração pública tanto na esfera nacional como internacional.  O Consultor — este é o titulo da reportagem –  é ao mesmo tempo uma denúncia irrespondível e uma confissão surpreendente. José Dirceu aparece ora como uma espécie de Cardeal Richelieu, ora como revolucionário arrependido ou playboy  internacional. Num panorama jornalístico dominado pelas posições extremadas, histéricas, debochadas e drásticas, de repente uma pausa para os meio-tons. Desta peça jornalística superior os observadores da imprensa engajada não poderão dizer que se trata de um complô da mídia contra o governo porque a revista Piauí (com pouco mais de um ano de existência e cerca de cinqüenta mil exemplares mensais), circula junto a um público sofisticado e muito bem informado. Por isso mesmo capaz de perceber todas as nuances de uma informação. Resta saber por que revistas com um milhão de exemplares semanais ou jornais com quase meio milhão de exemplares diários não conseguem produzir este mesmo jornalismo de qualidade. A resposta está contida em outra pergunta: e por que a grande imprensa ainda não conseguiu dar a merecida ressonância ao que está contido na matéria de Piauí? A resposta é uma só.