Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De volta ao tema central

Chega ao fim o agosto agourento em que a imprensa brasileira conseguiu escrever algumas das páginas mais infelizes de sua história. Depois de combater o mau combate cujo objetivo nunca declarado foi enterrar na origem qualquer reflexão sobre a regulamentação do jornalismo, nossa mídia se viu execrada no duelo canhestro que envolveu a revista Veja, campeã de vendas entre as semanais, e sua oponente IstoÉ, cuja conseqüência mais visível é a distribuição de suspeitas de irresponsabilidade e manipulação para todo lado.

De Ibsen Pinheiro, personagem central da trama na qual se desvelou em grande angular a prática do denuncismo disfarçado de investigação que se pratica na maioria das redações, cabe dizer que reagiu tão cândido e cavalheiro, que chega a despertar a sensação de que ele não tem interesse em que se investigue de fato as razões de sua cassação. Afinal, ainda está registrado nos anais da Câmara, para quem queira conhecer sua biografia, que em 1994 Ibsen Valls Pinheiro teve o seu mandato cassado, ‘acusado de sonegação de impostos e enriquecimento ilícito’.

Assim como Ibsen Pinheiro resolveu esquecer o que disse ao ser cassado, e isto vale a pena lembrar — que, na sua opinião, a decisão fora, sim, uma resposta do Parlamento às acusações da imprensa — também a mídia finge esquecer que Ibsen, na ocasião, acusou a imprensa de se valer de benefícios fiscais injustificados.

Ibsen precisa da imprensa para retomar sua carreira política e não lhe convém distribuir boletos de cobrança de seu suposto crédito moral. Ele agora tem a mídia algemada e já não lhe interessa discutir o papel social da imprensa, mas, como já se disse neste Observatório, há sobre a mesa uma equação não resolvida: se a imprensa é um serviço privado de interesse público, a alguma regulamentação precisa se submeter, na defesa desse alegado interesse público. Se a imprensa é apenas um negócio privado, e cheio de vícios, como um dia sugeriu o jornalista e ex-deputado, — o dono escolhe quem vai escrever em seu jornal, inclusive que parlamentar será encurralado até a cassação, e dane-se a freguesia —, suspendam-se os benefícios fiscais contra os quais um dia se rebelou Ibsen Valls Pinheiro.

Essa é uma seara na qual pouca gente quer ser vista de embornal a tiracolo, mas representa a essência de quase tudo que discutimos aqui. Se a imprensa merece e precisa de tratamento diferenciado entre os tantos negócios que suportam a sociedade moderna, é preciso que se dê à sociedade as garantias suficientes de que o jornalismo praticado no âmbito dessas instituições seja permanentemente um serviço de interesse público. Não bastam, definitivamente, declarações de boas intenções e editoriais histéricos.

A concentração dos meios precisa ser contida e os casos de gestão temerária, desrespeito a direitos trabalhistas e improbidade fiscal precisam ser coibidos com rigor, justamente porque se espera, em princípio, que uma empresa de mídia seja um exemplo. Para citar um lugar-comum clássico, como na referência à mulher do César romano, não basta à imprensa que seja honesta — ela precisa parecer honesta e não convém dispensar a auditoria.

Há muito se tem como inconteste, em ambientes onde a questão da imprensa é discutida com mais equilíbrio, que a busca de resultados econômicos à revelia da qualidade editorial e de princípios éticos está na origem das distorções que levam, com a mesma leviandade, da condenação de um deputado à sua absolvição plena, sem que a opinião pública veja fundamentadas tanto a sentença como a anistia.

Convém notar o editorial de Mino Carta na edição atual de sua Carta Capital, quando afirma que ‘o esforço da mídia nativa, e da mídia em geral, se deu no sentido de nivelar por baixo. E, portanto, de embrutecer as consciências’. Também é útil lembrar o professor de Ciência Política Morris Fiorina, da Universidade Stanford, em seu livro Guerra Cultural? O Mito de uma América Polarizada, que, ‘a despeito dos generosos pronunciamentos sobre o papel da mídia como guardiã da democracia, a mídia consiste majoritariamente de empresas lucrativas que continuarão se comportando como tais’.

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Jornalista