Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Falta uma estratégia para a imprensa

A imprensa, como todos os negócios, precisa de uma estratégia. Como um negócio que supostamente pratica serviços socialmente relevantes, a imprensa precisa de uma estratégia que seja socialmente correta. Já é hora de enterrar o ‘politicamente correto’ e seguir adiante.


Mas a leitura de jornais e revistas, e a atenção crítica na audiência de radiojornais e telejornais dão ao cidadão a impressão de que falta uma estratégia à mídia. Com exceção das emissoras populares de rádio, que investem em serviços e na pura e simples manifestação de opinião de seus apresentadores, o rádio é espaço de notas curtas, flagrantes e entrevistas pouco reveladoras. Nem os entrevistados se preparam para contribuir com reflexões interessantes, nem os entrevistadores podem contar com pautas bem elaboradas para tornar o diálogo relevante. No geral, repete-se o viés que corre nos jornais e revistas e nas emissoras de televisão: os vilões são os mesmos, os mocinhos são os de sempre.


Ou seja, temos um círculo de processos fechados, no qual todos os problemas conhecidos ficam mais ou menos sob controle e ninguém se arrisca a um ponto fora da pauta ou a uma questão mais instigante. O problema é que nem todos os problemas são conhecidos, mas isso não parece perturbar o comodismo geral. Afinal, os segundos do rádio e da TV são contados na controladoria financeira, não no estúdio, e, mesmo que o entrevistado surpreenda com uma tirada instigante, lamentamos o tempo esgotado e vamos em frente com o ramerrão de sempre. Apenas alguns poucos jornalistas, donos de passes valorizados, conseguem alguma liberdade sobre seu próprio tempo.


Na falta de uma estratégia, o que se pratica é essa tática de ocupar o tempo ou o espaço com o que há mais à mão. Por isso, nem mesmo as edições de domingo dos jornais, que desde as grandes reformas dos anos 1990 se destinavam a marcar a capacidade de diferenciação do veículo e capturar leitores de revistas semanais, conseguem manter um padrão aceitável. Por exemplo, as edições o último fim de semana ficaram devendo um material informativo de qualidade sobre o lançamento do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa, ocorrido na quinta-feira (1/12), talvez o fato mais importante para o ambiente de negócios desde a criação do novo mercado pela bolsa brasileira, em dezembro de 2000. Quem não leu a Gazeta Mercantil ou o Valor Econômico, os principais diários de economia e negócios, fica à margem do tema.


Miséria intelectual


O fato chama atenção para uma rotina que aparentemente coincide com a safra de escândalos assumida pela imprensa em junho deste ano. Têm sido poucos os fins de semana em que os leitores conseguem encontrar em seus jornais material mais elaborado sobre questões de maior interesse. Nem mesmo os indicadores da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio), que em sua última versão trouxe notícias otimistas sobre a melhoria das condições de vida na base da pirâmide social, mereceram uma edição mais aprofundada e análises isentas do viés político que tudo contamina. Como as revistas semanais há muito assumiram a insustentável leveza da frivolidade, fica sem alternativa o leitor mais exigente.


Sem estratégia, que em outros tempos merecia esforços e dedicação dos jornalistas em posição de mando, fica o dia-a-dia da imprensa dominado pelos processos fechados, nos quais as decisões são tomadas sob cânones que bem poucos se dispõem a contestar. A rigor, a lamentável praga do ‘politicamente correto’, que nos assaltou após a queda de Fernando Collor, quando a imprensa foi tomada por anjos impolutos, acabou por contaminar todos os espaços da mídia, agora sob um índex único e inquebrantável. Para cada assunto, temos a interpretação prévia e o viés predefinido.


Não há um pensamento novo, uma interpretação inovadora, um viés instigante. Talvez seja essa a razão do sucesso que fazem alguns provocadores profissionais postados nos nossos veículos mais bem-sucedidos. Descarados imitadores de Paulo Francis, que é um ícone do ‘polemismo’ na imprensa brasileira moderna, esses personagens deste nosso tempo de miséria intelectual revelam a cada texto que não são propriamente amigos da boa leitura. Talvez em suas colunas esteja o retrato mais acabado de uma imprensa que, ao abandonar o exercício da estratégia na gestão, deixa correr para o ralo do lugar-comum aquilo que teria de mais precioso a oferecer: a capacidade de bem pensar.

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Jornalista