Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Jornais do futuro, ‘supermercados’ da notícia

Pesquisadores afirmam que a sobrevivência dos jornais os levará a deixar a produção de noticias para privilegiar a distribuição de conteúdos informativos. Como um supermercado da notícia, com direito a carrinho de compras e tudo.

Parece uma mudança simples do ponto de vista operacional. Bastaria criar ‘gôndolas’ de notícias, imagens, dados brutos e conhecimentos, onde o consumidor iria recolhendo o que precisasse para montar seu farnel informativo.

Na verdade, o processo é bem mais complicado, porque implica uma mudança radical no sistema de produção de conteúdos informativos. Os jornais deixariam de ser os grandes produtores de notícias para serem intermediários no varejo informativo. Como os supermercados que vendem o que outros produzem.

O cenário da imprensa escrita nos próximos anos está sendo esboçado numa sucessão de seminários, fóruns, pesquisas e livros sobre o tema futuro dos jornais, que estão acontecendo na Europa e nos Estados Unidos desde que a crise no setor tomou ares de luta pela sobrevivência.

O mais polêmico de todos os trabalhos recentes sobre o futuro da imprensa é o relatório preparado pelo consultor norte-americano Vincent Crosbie, publicado no site da Online Journalism Review (http://www.ojr.org/ojr/business/1078349998.php), agora no início de março.

As grifes informativas

A tese de Crosbie, também autor do respeitado blog Digital Deliverance (www.digitaldeliverance.com), garante que a saída para os grandes jornais estaria no que ele chama de ‘customização em massa’, ou seja a produção de conteúdos totalmente orientados para leitores individuais: em vez de criar um conteúdo para muitos leitores, cada um deles receberia um jornal editado em função de suas necessidades locais ou setoriais. Uma espécie de jornal sob encomenda.

A discussão sobre como isto seria possível deu origem a outro debate. Para poder atender à enorme variedade de informações de interesse de um público cada vez mais diversificado e exigente, os jornais teriam que terceirizar a produção de notícias e concentrar toda a sua energia na criação de um sistema de impressão digitalizado e descentralizado. Uma rede de pequenas impressoras conectadas à sede central do jornal.

É um tema que está provocando discussões apaixonadas nas redações da Europa e dos Estados Unidos, porque pode vir a mudar todo o sistema de trabalho da maioria dos jornalistas.

A produção de conteúdo sempre foi considerada pelos grandes jornais mundiais mais estratégica do que a atividade gráfica. A produção jornalística é até agora a parte nobre da indústria dos jornais, que procuraram associar sua competência, credibilidade e fidedignidade ao desenvolvimento de verdadeiras grifes informativas. Reproduzir notícias ou artigos de The New York Times gera tanto prestígio e admiração quanto vestir um terno Armani italiano.

Personalizada e focada

Acontece que a lucratividade do negócio jornal entrou em queda livre continuada desde os anos 80 por conta, principalmente, de inovações tecnológicas, mudanças no padrão de consumo de notícias em quase todos os países do mundo e, em alguns casos, de graves erros administrativos internos.

Além disso, a internet diversificou fantasticamente as fontes de informação, ao eliminar barreiras geográficas, de tempo e de classe social. Com isso o consumidor passou a ficar mais seletivo e descobriu que ele também poderia tornar-se um produtor de informação, graças a ferramentas como páginas na Web, newsletters por correio eletrônico, fóruns online e, mais recentemente, pelos weblogs.

Um grande jornal publica hoje apenas uma fração das notícias e informações que chegam à redação. Isso porque um jornal é por natureza um veículo de comunicação do tipo genérico, ou seja, publica apenas aquelas informações que interessam a um grande número de pessoas.

Na época da Guerra Fria era fácil encontrar notícias para um público genérico mas, depois dos anos 90, os grandes temas políticos perderam atrativo, um fenômeno que também atingiu o noticiário econômico. Para tentar reverter a chatice que tomou conta das primeiras páginas, os jornais apelaram para a cobertura policial, matérias de auto-ajuda ou de comportamento.

Foi neste momento que o noticiário genérico da imprensa começou a perder terreno para a informação personalizada e focada oferecida pela internet. Não pelas versões online dos grandes jornais, mas pelos chats, os fóruns, weblogs e sites comunitários.

Caixa de Pandora

A facilidade para obter notícias na Web está aumentando o grau de exigência dos leitores, ao mesmo tempo em que os jornais constatam a sua incapacidade financeira para atender a esta demanda em crescimento e altamente diversificada.

Caso a tese do supermercado da notícia vingue, os jornalistas terão que transformar-se em ‘marcas autônomas’, como são hoje alguns profissionais que produzem colunas especializadas (Elio Gaspari, Luís Nassif, Joelmir Betting etc.).

Hoje estas marcas jornalísticas informativas são consideradas o ápice de uma carreira, mas no futuro podem ser a alternativa para a grande massa dos profissionais, que provavelmente enfrentarão algumas mudanças radicais na sua forma de trabalhar.

Hoje, os repórteres dependem de fontes que geralmente estão no poder, uma vez que a agenda informativa dos jornais privilegia tudo o que vem da administração pública e das empresas privadas.

Mas, diante da demanda crescente por informações regionais, locais e setoriais, o jornalista passará a ter que dedicar maior atenção à comunidade onde está inserido. Isto o submeterá a cobranças e a uma transparência muito maiores, pois a distância entre o profissional e suas fontes será reduzida a quase zero.

Além disso, como os profissionais não estarão mais submetidos aos códigos de ética e às normas de credibilidade dos grandes jornais, eles terão que assumir sozinhos a responsabilidade pelo material produzido.

Aqui abre-se uma caixa de Pandora de onde pularão muitos outros problemas que desafiarão a capacidade analítica e inovadora dos profissionais do jornalismo. Problemas que vão desde a forma de remuneração até direitos autorais e a polêmica sobre o chamado jornalismo amador. São temas complexos demais para serem detalhados num artigo só. A melhor solução é o debate e a troca de idéias.

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Jornalista e pesquisador de mídia eletrônica