Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O caos é a nossa fonte

Houve um tempo em que o jornalista dispunha de 24 horas para levantar a notícia e publicá-la. Hoje, se dispuser de uma hora, é muito. Esta aceleração no jornalismo começou há pelo menos sete anos, quando a internet iniciou sua expansão. Para acompanhar este ritmo 24 vezes mais veloz, é preciso promover mudanças, para não continuar vendo a venda de jornais e revistas despencar ano a ano. Este tema está fortemente envolvido com o artigo do jornalista e professor Caio Túlio Costa [ver remissão abaixo], que vem nos ajudar a refletir sobre o panorama da mídia no Brasil e no mundo.

‘Nos primeiros anos deste século 21 (…), num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia. Os seis maiores conglomerados – Time Warner, Walt Disney, Vivendi-Universal, Viacom, Bertelsmann e News Corporation – passaram a gerar juntos US$ 160 bilhões de receita, mais de um terço da receita total de US$ 415 bilhões das 50 maiores companhias de mídia, em todo o mundo [ver Dreyer, D. Organizational Change in the Global Media Markets – Causes and Consequences. Westfälische Wilhelms-Universität Münster, Alemanha, Janeiro de 2003].’

O artigo do jornalista Caio Túlio é um estudo sério e aprofundado da situação da mídia mundial e aqui no Brasil, onde se destacam dois fatos inequívocos: a concentração da mídia nas mãos de poucos grupos (no mundo e no Brasil) e a queda da circulação de jornais e revistas em todo mundo nos últimos anos e a conseqüente projeção da morte de jornais para 2043.

Os seis grupos que dominam a mídia mundial, acima citados, lembram as cinco famílias que dominavam o mundo à época do inicio da Primeira Guerra Mundial: os Windsor (Inglaterra), os Bourbons (França), os Habsburgos (Áustria), os Hohenzollerns (Alemanha) e os Romanov (Rússia). Esta nobreza dominante, no entanto, ao fim da guerra perdia totalmente o poder para os novos regimes políticos que acabariam com as monarquias européias. Não podemos afirmar que os grupos midiáticos tenham o mesmo destino da nobreza, mas estão sujeitos ao ‘Respirar de Brahma’, como dizem os hindus para definir este processo – até o Universo, que é o movimento de retração e expansão –, como o próprio respirar. Além disso, conforme a história dos imperadores de Tácito, ninguém, mesmo bom, sábio ou justo pode exercer um poder incontrolado, irresponsável, ilimitado ou não determinado pela razão, sem se tornar, desde logo, arbitrário, cruel, desumano, caprichoso e numa única palavra, um tirano.

O estudo de Caio Túlio considera que no Brasil, desde a virada do século 21, de 10 famílias proprietárias de jornal, revista e televisão, ficaram apenas Abravanel (SBT), Civita (Editora Abril), Frias (Folha de S. Paulo), Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes) e Sirotsky (Rede Brasil Sul – RBS), confirmando a saída de cenário dos Bloch (Manchete), Nascimento Brito (Jornal do Brasil), Levy (Gazeta Mercantil) e Mesquita, que perdeu a gestão do Estadão. Somente a Manchete fechou, nos demais casos as famílias venderam suas participações nos negócios.

‘Quanto mais avançam as novas mídias, mais a mídia tradicional perde leitores. Ao observar a queda constante na leitura diária dos jornais, o especialista Philip Meyer, professor de Jornalismo na Universidade da Carolina do Norte, prevê o fim do jornal impresso para abril de 2043, conforme projetou no livro The Vanishing Newspaper – que leva subtítulo desafiador: ‘Salvando o jornalismo na era da informação’, diz o artigo de Caio Túlio.

Linha indecisa

A partir das novas tecnologias e da velocidade na vida cotidiana, o jornal sofreu um desgaste como veículo de comunicação, de forma sistemática, mas imperceptível. Esta conspiração no escuro contra os jornais dá-se por conta da lentidão no processamento da informação. Como é possível, nos tempos atuais, o jornal ficar 24 horas distante de seu leitor? Como é possível também o jornal não reconhecer as novas tecnologias como aliadas no processo de modernização e de conquista de novos leitores?

Sem este modelo novo, os jornais estarão marchando para a morte até 2043, como previu o professor Philip Meyer, mesmo até antes disso. Vamos falar deste novo modelo mais adiante.

A partir da modernização tecnológica, representada pela internet e pela telefonia celular, mas que se compõe de muitas outras inovações, os negócios em geral perderam o referencial sobre os quais se conduziam. O que há agora é uma chamada ‘linha indecisa’, entre a adaptabilidade volátil da maioria e a inovação na anarquia. Os empresários em geral e os da mídia em particular estão em geral do lado da adaptação volátil (frágil por si só), enquanto a internet, por exemplo, caminha sobre esta linha indecisa, sem se perturbar, pois está do lado da inovação na anarquia. Por que dizemos anarquia? Porque não há mais planejamento, caminho seguro, conhecido. O evento é quem determina o caminho a seguir, ou seja, a todo instante os acontecimentos exigem decisões e, por isso, não adiantaria mais um planejamento.

Fonte de inspiração

Jornais, revistas, televisão têm que esquecer os planejamentos de longo prazo, de um ano, por exemplo, e viver de planos curtos, decisões rápidas, que podem possibilitar ganhos e avanços em prazos mais longos. Para quem não acredita nesta possibilidade, vamos citar o exemplo da IBM, que rasgou seu planejamento de médio e longo prazos e passou a trabalhar de acordo com as respostas dos clientes. A multinacional agora é uma organização de soluções aos problemas e situações apresentadas pelos clientes. Isto foi que salvou esta empresa e que pode estar mudando o rumo dos acontecimentos na área de mídia impressa, principalmente, mas também de outras áreas da comunicação.

O processamento tradicional está levando as empresas à rentabilidade decrescente. Já as empresas que passam a processar a informação estão obtendo cada vez mais êxito, mais rentabilidade. A nossa mídia está ainda processando no passado. Por incrível que pareça, organizações que sempre viveram da informação, como os jornais, não conseguiram esta passagem para o processamento da informação (Só um exemplo: os leitores ainda são tratados de forma tradicional, enquanto na verdade deveriam ser considerados parceiros não só para comprar, mas para participar da edição. Ora, a IBM não vai ao cliente e a partir deste começa a funcionar? Por que o jornal não vai, da mesma forma, ao leitor?).

O caos é, desta forma, a nossa fonte de inspiração. Quando o repórter pergunta ao editor ‘o que vai ser?’, terá uma resposta aparentemente evasiva, ‘não sei’, quem vai dizer é ‘o leitor e os demais componentes da realidade de agora’. Isto é o caos e é onde se vai ter que caminhar. Este caos traz a todo instante informações, que pressionam nossa criatividade e nos torna inovadores. Por isso, o caos é nossa fonte.

Discussão da realidade

Os jornais costumam dar notícias futuristas, sem acreditar nelas. Quando um pesquisador ou cientista diz que dentro de x anos o comprador de automóvel vai poder encomendar o modelo e os detalhes preferidos pela internet … E que vai dentro de horas retirar este carro na concessionária mais próxima, esta última parte da notícia soa como ‘sonho’. Na verdade é muito mais que realidade: ali está o futuro não só da indústria automobilística, mas também o futuro dos jornais.

Mas, em vez de ir além da crença na notícia, ver como ela se aplica em sua própria pele, o jornal cumpre seu papel de publicar, sem qualquer questionamento sobre a luz que a mesma está trazendo para si. Além de perguntar-se como aquele fato se aplica ao próprio jornal, poderia também indagar-se se aquele futuro já não estaria acontecendo?

Na fase mais intensa do movimento estudantil de 1968, nos reuníamos com o jornalista Humberto Kinjô para discutir vários temas relacionados com nosso trabalho jornalístico e os resultados de venda do jornal, onde surgiam coisas inesperadas: Baha Bourdokan lembrava, por exemplo, que os estudantes desciam o pau no Jornal da Tarde, na sua linha ideológica, mas era o jornal que mais liam. Aquelas reuniões ocorriam numa época em que nossa velocidade ainda era de 24 horas. Hoje, com velocidade no máximo de uma hora, a necessidade de discutir a realidade e o posicionamento é sem dúvida muito maior. (Velocidade = tempo que ficamos sem contato com o leitor.)

Leitores a conquistar

Está claro que o modelo ideal para o jornal atual está longe do que vem sendo praticado, começando por este distanciamento de 24 horas do leitor. E seguindo pela não utilização da tecnologia disponível não somente para manter seus leitores, como conquistar novos.

Grande parte dos leitores – e cada dia mais – já tomou conhecimento das notícias publicadas no jornal, seja pela internet, seja pela televisão. O que o jornal pode ter a mais são detalhes dos fatos abordados na internet e na televisão, comentários e editoriais, colunistas cujas idéias e posicionamento têm afinidade com público específico e nada mais de importância significativa. Será que, do ponto de vista do leitor, vale a pena aguardar 24 horas para receber notícias que tem a toda hora na e quando muito nos diversos horários dos telejornais? A resposta deve conter o motivo da queda de leitores dos jornais, principalmente nestes últimos anos, assim como a indicação de um caminho a seguir.

Entre 1965 e 2000, os jornais brasileiros perderam 15% em venda de exemplares, enquanto nos Estados Unidos a queda foi de 37% e os argentinos bateram o recorde com 65%. Entretanto, os jornais brasileiros entre 2000 e 2003 tiveram uma queda muito maior: 18%, ou 6% ao ano. A leitura dos americanos é de 196 jornais para cada grupo de mil habitantes, enquanto no Brasil esta leitura é de apenas 45 jornais para cada grupo de mil habitantes. Todos esses dados são do estudo do Caio Túlio.

Mais do que perder, temos muitos leitores a conquistar. O importante é entender que nossa função não é mais publicar notícia. Agora, o jornalista com o seu jornal está integrado com o leitor e com todas as forças vivas da sociedade onde atua, seja governo, sindicatos, associações e comunidades numa cumplicidade tão firme que forma uma sinergia única. E, por fim, esta integração vai além de suas fronteiras, chegando até à esfera internacional.

Redação dobrada

A utilização da tecnologia disponível não é simplesmente a criação de site ou da transferência do conteúdo do jornal para a internet, de forma reduzida ou adaptada. O leitor de um jornal pode ir ao site ou página de outro jornal na internet. E deixar de lado o site ou página do jornal que lê, visitando-a somente de vez em quando. Visitando ou não a página do jornal na internet, o fato importante é que passa 24 horas distante, pois a versão eletrônica que todos grandes jornais têm, não tem nada a ver com a impressa – esta é a realidade. E ainda: à medida que o leitor vai satisfazendo sua necessidade de informação pela internet, deixa de ser assinante ou de comprar na banca.

A internet não é tecnologia para se criar uma versão do jornal impresso na forma eletrônica. Ela vem a se incorporar como uma extensão do jornal original – ou prosseguimento – e não uma versão. Esta incorporação da internet como extensão do veículo resolveria os dois lados da questão: a utilização da tecnologia e a aproximação do leitor, não mais afastado por 24 horas. Entretanto, é bom lembrar que qualquer iniciativa nesta direção da nova tecnologia segue as mesmas leis de investimento da aquisição de máquinas e equipamentos: haverá investimento e sacrifício para se alcançar o novo estágio prometido pela nova tecnologia.

A criação de uma extensão eletrônica, online, do jornal representa um alto investimento, principalmente em pessoal. Sim, a redação pode mais que dobrar em número de jornalistas e profissionais de qualidade. Dividindo a redação em duas partes, a que trabalha para o fechamento da edição impressa e a que trabalha no prosseguimento dessa edição, pela internet, já temos o dobro em pessoal praticamente, sem contar que as editorias do jornal tradicional terão maior volume de material para selecionar e trabalhar (vindo da redação da edição eletrônica) e precisarão de mais pessoal para dar conta desse encargo maior.

Mudanças radicais

Para se ter uma idéia melhor do que estamos falando, vamos esclarecer o que é a extensão do jornal impresso pela internet: quando o jornal impresso está indo para as bancas e assinantes, seus assuntos selecionados e pautados estarão sendo levados por um time de repórteres para coletas de opinião e comentários, de forma que uma nota de coluna ou uma chamada da primeira página não se esgotaram com saída do jornal impresso, ao contrário é aí que tudo começa. Nenhuma noticia se sustenta por si só, ela é também um fato gerador de outras notícias. E por extensão cada jornal que sai é um gerador de dois, três ou mais jornais até a impressão da próxima edição, pois as próprias notícias levantadas e postadas na internet, após a saída do jornal impresso, também motivarão novas pautas de entrevistas e coletas de opinião. É um processo que vai culminar no fechamento da edição impressa seguinte.

Por outro lado, a influência das fontes vai se intensificar e, ao mesmo tempo, se diversificar. Com esta atuação 24 horas, o jornal deve receber mais informações de assessorias e porta-vozes, de um lado, e sofrer mudanças radicais com a participação dos leitores. O leitor não tem mais aquela posição passiva de apenas consumir a notícia, embora no geral ele continue sendo tratado assim. Nesse formato novo, no entanto, o reconhecimento de nova posição ocupada pelo leitor no contexto de mídia levará o jornal a abrir suas portas para este, de forma que a cada momento estarão surgindo pautas indicadas por leitores, fotos e assuntos transmitidos por estes dos mais diversos locais e utilizando-se das tecnologias wirelless (sem fio) e mesmo da própria internet. A nova maneira de trabalhar com o público leitor e com as comunidades, que levaram o jornal sulcoreano OhmyNews a bater em vendas os jornais tradicionais (OI, edição 348, 27/09/2005), é o reconhecimento dessa nova realidade, que não pode ser menosprezada nesta fase de conquista do leitor.

E desta forma o leitor saberá que o que sugerir agora, dentro de três horas ou menos já estará no ar, em forma de reportagem, sendo que, de outro lado, o volume de notícias articuladas a partir do leitor pode representar 50% ou mais até de todo volume de informações. Isto nos reporta à notícia futurista do carro encomendado pela internet e que estaria à disposição do comprador algumas horas depois, na concessionária mais próxima, que, assim, tem tudo a ver com o jornal que publicou a nota.

A atuação do jornal impresso, dentro desta nova dinâmica, também sofre mudanças radicais. Em primeiro lugar, a edição está vinculada fortemente à rolagem de notícias pelo jornal eletrônico; inclusive as notícias do jornal impresso anterior, que acabaram tendo uma grande repercussão com novas entrevistas e opiniões, que por si só criam uma expectativa nos leitores em relação ao tratamento que deverá receber na nova edição impressa. A edição impressa, assim, ganha um invólucro de credibilidade e de endosso de tudo que aconteceu através do jornalismo eletrônico. Por isso, podemos afirmar que a rolagem, pela internet, de notícias publicadas ou não no jornal impresso, criarão expectativas e funcionarão como promoção de venda da próxima edição.

Mudanças rápidas

Em segundo lugar, a própria expectativa e a valorização dos acontecimentos em si, pelo ingresso de novos elementos, através da participação de entrevistados, seus pareceres e novas informações, levará o jornal impresso ao lançamento de edições extras e em maior número que as que existiram na época em que esta era uma solução para dar velocidade à publicação, quando de algum acontecimento importante. Não será nada demais surgir numa única semana várias edições extras, inclusive mais de uma em um só dia. Seria uma loucura? Isso mesmo, seria!

Soma-se a tudo isso, as tecnologias de celulares, laptop, notebook, a possibilidade de fotos chegarem à redação às centenas a cada 15 minutos, vindas de todas as partes, relativas a todos os assuntos, aumentando em várias vezes o volume de material manuseado pela redação diariamente.

Paralelamente, não seria de admirar se desse movimento do novo jornal surgisse pequenas redações, dentro da redação, para editar um ou mais jornais alternativos, semanais ou de periodicidade menor, para cobrir áreas específicas de leitores. Não podemos confundir estes jornais alternativos com os suplementos normais de cada edição.

O estudo do jornalista Caio Túlio Costa tem muito mais contribuições que estas aqui abordadas. Vale a pena não só ler o artigo, levá-lo para nosso arquivo, como eu mesmo fiz, para consulta futura, mas também montar grupos de discussão a respeito das diversas situações por ele apontadas. A partir de agora, é importante uma realidade: os profissionais de redação precisarão estar preparados para mudanças rápidas e objetivas, para alcançar cada vez mais e melhor seus leitores ou espectadores.

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Jornalista