Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Tempero brasileiro para receita espanhola

A guerra dos jornais populares do Rio de Janeiro promete ficar mais renhida nos próximos meses com a entrada em circulação dos jornais Qnotícia – domínio registrado pelas empresas Mídia1 e Pedra da Gávea Online, leia-se Ariane Carvalho e Antônio Jorge Pinheiro – e do novo vespertino que O Dia pretende lançar entre setembro e outubro. [O domínio Quenotícia pertence a uma empresa de informática de Niterói (RJ)].

Além da disputa das irmãs Ariane e Gigi Carvalho (esta, atual presidente de O Dia) pelo segmento, não podemos esquecer que o atual líder do setor, o Extra, do grupo Infoglobo, também pode se movimentar – não é à toa que a empresa acompanha há algum tempo o que acontece no mercado de jornais populares na Europa, mais precisamente na Espanha.

Aliás, foram em águas espanholas e em projetos baseados em jornais gratuitos que as duas integrantes da família Carvalho foram beber. Entre eles o ¡Qué! e o 20 Minutos.

O jornal de Ariane é nitidamente baseado no ¡Qué!, inclusive o nome. Tablóide, full-collor, variando de 24 a 36 páginas e voltado para o público jovem, tem como política o incentivo aos blogs em sua edição virtual e o apelo de ser o primeiro jornal espanhol elaborado por seus leitores. Ao criar um blog no portal do jornal, os leitores autorizam os editores a retirar dali material para a publicação, que é distribuída em 13 cidades (7 mil pontos de distribuição) e possui redações em 12 delas.

Já a o novo jornal que O Dia pretende lançar tem semelhanças com o projeto que enviei, a título de colaboração, para a direção de redação do jornal, em fevereiro de 2005. A proposta foi resumida no artigo ‘De pipocas, sorvetes e jornais‘, publicado neste Observatório (7/6/2005). Em julho, a idéia repercutiu favoravelmente na revista Imprensa, na coluna do designer Ary Moraes.

O projeto previa o lançamento de edições econômicas mais baratas para que O Dia saísse da incômoda posição de estar espremido entre O Globo e o Extra. Além disso, defendia uma ‘edição super-econômica de 24 páginas, voltada para os jovens, priorizando o resumo das matérias da semana, o noticiário esportivo e de cultura e lazer. Esta edição seria no formato tablóide e poderia ser oferecido a um preço entre R$ 0,40 e R$ 0,50’.

Mais adiante ressalta que estas opções ‘atrairiam os leitores que contariam com um jornal na medida exata de que precisam, além de ajudar a resolver problemas estratégicos’, como uma eventual concorrência com jornais gratuitos, bastando deixar de pela edição mais barata’.

Mercado aquecido

O Dia também se baseia na experiência espanhola do jornal 20 Minutos, que pertence a 20 Min Holding, controlada pelo grupo norueguês de comunicação Schibsted. A holding tem presença marcante na Noruega, Suécia, Dinamarca, Suíça, Estônia, Finlândia, França e Espanha, sendo que nos dois últimos países edita jornais gratuitos em seis ou mais cidades. Este jornal é voltado para o público jovem, produtivo, que vive em áreas urbanas. Na Espanha somente 11% da população compram jornais.

Importante ressaltar que tanto a versão tupiniquim do ¡Qué! quanto a nova publicação de O Dia podem ter problemas de consolidação – a opção por um jornal vespertino com resumo de informações do jornal principal, por exemplo, não é garantia de sucesso. Nesse caso, lembro que os jornais têm possibilidade de ganhar sobrevida, transformando-se em jornais gratuitos, bancados exclusivamente por anunciantes. Alguns fatos e comparações permitem esta suposição:

1. O Dia decidiu recentemente parar de distribuir outros jornais, optando apenas por seus próprios produtos. Os executivos da 20 Min Holding afirmam que uma das principais diferenças entre os gratuitos e os outros jornais é a distribuição por canais próprios.

2. Os jornais gratuitos não circulam nos fins de semana, pois a circulação depende de grande movimentação em centros comerciais, universidades, hospitais, clínicas de grande porte, terminais de transporte etc. O Qnotícias já anunciou que circulará apenas nos dias úteis.

3. Os jornais gratuitos se concentram no público jovem. Este grupo, segundo análise de especialistas, não costuma comprar jornais e dificilmente procura outros meios. No entanto, aceita o que lhe é oferecido gratuitamente.

4. A proposta pode atrair investidores estrangeiros, pois que a atual legislação permite a participação deles como sócios minoritários das empresas jornalísticas. Na Espanha, onde a lei é mais flexível, o grupo norueguês se tornou o acionista majoritário da empresa Multiprensa y más, quando os jornais gratuitos da companhia atingiram a tiragem de aproximadamente 300 mil exemplares. Hoje, o segmento gratuito na Espanha tem cerca de 3,5 milhões de leitores.

5. Vale ressaltar que na Europa já surgiram os gratuitos de segunda geração. São publicações voltadas para os segmentos econômico, feminino e de imigrantes. A linhagem começou com gratuitos esportivos.

Independente dos desdobramentos, a disputa pelos leitores fluminenses fará o mercado esquentar ainda mais, caso o Extra – ou até mesmo o esportivo Lance! – seja atingido pelas novas publicações, sejam elas mais baratas que os dois jornais ou gratuitas. No outro extremo, há quem defenda que a disputa entre as irmãs Carvalho pode levar O Dia à ruína.

Aguardemos os próximos rounds.

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Jornalista e professor