Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um close no jornalismo americano

Convide para uma conversa um jornalista, um empresário de comunicação e um analista da mídia. Pergunte em que tipo de veículo jornalístico eles apostariam suas fichas, se o assunto em questão for a rentabilidade do produto-notícia, nos próximos anos. É provável que o jornal impresso merecesse a menor cotação na disputa com outros meios. Seria o fim das rotativas?

Um importante estudo noticiado no site Editor & Publisher (www.editorandpublisher.com) revela que não. Intitulado ‘A situação da mídia noticiosa em 2004’ (disponível em www.stateofthenewsmedia.org), confirmou um declínio na leitura de jornais nos Estados Unidos, o que não é uma surpresa. Lá, a circulação dos jornais diários tem diminuído cerca de 1% ao ano, desde 1990. O estudo, cobrindo toda a mídia americana, tomou como base uma fonte variada de informações que inclui conteúdo, tendências de audiência e fatores econômicos, foi realizado pelo Project for Excellence in Journalism (PEJ), instituto ligado à Escola de Jornalismo da Universidade de Colúmbia.

Apesar do cenário nada alentador, a surpresa é que a queda na venda de jornais não significa necessariamente o fim desse tipo de negócio. O estudo indica que há grandes oportunidades para os impressos. Segundo Tom Rosenstiel, diretor do PEJ e co-autor do livro Os elementos do jornalismo (Geração Editorial, 2003), o futuro dos jornais parece mais promissor do que ele havia imaginado décadas atrás.

Primeiro de uma série

Para Rosenstiel, não estava claro, há uma década, se o público continuaria a ler. O estudo mostra que o público continua se interessando pelas notícias e por sua leitura. Essa boa notícia para o velho impresso só terá serventia, contudo, se os jornais adotarem novas estratégias de produção da informação. Segundo Rosenstiel, a noção de que uma mesma edição deve se adaptar aos diversos tipos de leitores é complicada e pode não sobreviver por muito tempo.

De acordo com o estudo, as mídias étnicas, alternativas e online têm tido crescimento maior. Para se ter uma idéia, jornais em língua espanhola praticamente quadruplicaram as tiragens, alcançando 1,7 milhão de exemplares nos últimos 13 anos. E mais: a circulação de jornais alternativos com periodicidade semanal dobrou de 3 milhões, em 1990, para 7,5 milhões em 2002. Além disso, mais de 55% dos usuários da internet na faixa de 18-34 anos obtêm notícias online. Todos estes dados se referem ao universo americano.

O trabalho enfocando as tendências para o jornalismo americano em 2004 é o primeiro de uma série. Seu objetivo está explicitado como ‘um esforço inaugural para, a cada ano, fornecer uma visão ampla da situação do jornalismo americano’. A idéia é ‘disponibilizar num único local a maior quantidade de dados originais e agregados possível sobre os principais setores do jornalismo’. Nessa primeira análise são identificadas oito principais tendências para a mídia americana em 2004. Eis algumas delas.

** O surgimento cada vez maior de novos negócios em busca de públicos que se encontram estáticos ou que se retraíram. Isso implica perda de audiência para a mídia informativa, que implica queda de receitas de publicidade, com todas as implicações em cascata daí advindas. Os únicos setores com perspectiva de crescimento hoje são o jornalismo online, o étnico e o alternativo.

** A maior parte de novos investimentos do jornalismo atual está na disseminação da notícia, e não em sua obtenção. Boa parte da mídia está efetuando cortes nas redações, tanto em termos de pessoal quanto em relação ao tempo dedicado à apuração e à divulgação das informações. Mesmo apresentando exceções, os jornalistas, de uma forma geral, estão enfrentando pressões para manter a qualidade do seu trabalho.

** Em muitos setores da mídia jornalística têm-se utilizado crescentemente os elementos brutos da notícia como se fossem seu produto final. Isto é particularmente verdadeiro na novíssima mídia que permanece 24 horas no ar. Tanto na TV a cabo quanto nas notícias atualizadas periodicamente na internet, há uma tendência para veicular informações desordenadas, caóticas e com qualidade parcial em algumas reportagens, sem muita síntese ou mesmo seqüência da informação. No caso particular do noticiário da TV a cabo, há empenho na divulgação das mesmas notícias de forma repetida, sem qualquer atualização significativa.

** Numa mesma empresa jornalística é possível encontrar variações de padrão jornalístico. As empresas estão tentando remontar e distribuir aos anunciantes um público consumidor de notícia não somente num único local, mas por diversos programas diferentes, produtos, plataformas etc. Para agir assim, algumas empresas estão variando suas pautas de notícias, ao separar publicidade de notícia. O que vai ao ar num talk-show da MSNBC (TV a cabo), por exemplo, pode não coincidir com a transmissão radiofônica da NBC (do mesmo conglomerado). Essa estratégia reforça no público a percepção de que falta profissionalismo na mídia jornalística, mais interessada em motivações financeiras do que no interesse do público.

** Sem investir no desenvolvimento de novos públicos, a perspectiva para as empresas jornalísticas, no longo prazo, será problemática. Os ganhos de muitas empresas tradicionais têm se mantido graças ao enfoque nos custos, incluindo cortes nas redações. O estudo indica aumento na carga de trabalho dos jornalistas, declínio no número de repórteres, encolhimento das edições, diminuindo o espaço para os anunciantes e tornando os jornais mais finos. Isso levanta uma questão para o longo prazo: por quanto tempo as empresas jornalísticas continuarão cobrando dos anunciantes para oferecer um público leitor cada vez menor? Se os lucros forem mantidos pelos cortes nos custos, a pesquisa em ciência social sugere que essas empresas vão perder público de uma maneira acelerada.

** Hoje, a convergência entre as mídias parece menos assustadora para jornalistas do que há alguns anos. No momento, o jornalismo online parece levar mais a uma convergência com a mídia mais antiga do que propriamente substituí-la. Quando as tendências do público são examinadas mais de perto, não se pode escapar à percepção de que a nação está se dirigindo para uma situação na qual instituições que antes atuavam em mídias diferentes, como CBS e Washington Post, serão competidores num único e principal campo de batalha – o online. A idéia de que o meio é a mensagem será ultrapassada. Esta é uma possibilidade fantástica que se abre para a conquista de novos públicos, novas formas de narrativa, mais atualidade e mais envolvimento das pessoas.

** A grande questão pode não ser tecnológica mas econômica. Se o jornalismo online surge como uma oportunidade para a velha mídia, mais do que uma simples canibalização, o ponto pode ser de natureza financeira. Se o online se mostra menos útil a anúncios ou assinaturas, será que vai funcionar como uma base econômica tão forte para o produto-notícia quanto a TV ou os jornais? Se não funcionar, a mudança para a web pode conduzir a um declínio geral no objetivo e na qualidade do jornalismo americano – não porque não seja adequado para a notícia, mas porque não funciona para o tipo de lucro respaldado no –produto-notícia.

** O poder de manipulação das fontes sobre o jornalista, e vários fatores apontam nessa direção. Um deles é a simples relação de demanda e oferta. Quanto mais empresas jornalísticas competem pela informação, a fonte acaba por se transformar em vendedora de informação. Outro fator é a carga de trabalho. A análise de conteúdo das empresas de notícias 24 horas sugere que suas reportagens contêm poucas fontes. A influência ampliada de que desfrutam as fontes tem encorajado um novo tipo de jornalismo, aquele que saca do talão para conseguir acesso à informação.

As conclusões da análise do PEJ guardam semelhanças com a situação das mídias jornalísticas no Brasil, dada a proximidade do jornalismo local com o formato americano, principalmente em seu alinhamento ideológico. Mas seria ideal que aqui um estudo de tal envergadura pudesse ser também realizado, de modo a abastecer nossos veículos e analistas com uma massa de informação sem precedentes no Brasil.

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Estudante de Jornalismo e editor do Balaio de Notícias (http://www.sergipe.com/balaiodenoticias)