Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

As histórias de um fotógrafo e de uma cinegrafista com deficiência visual

Michele Correia segura a câmera em uma das filmagens. (Foto: Bruno Andrade/Standard YouTube License)

Luz câmera e ação, através do olhar da primeira cinegrafista cega brasileira. Michele Correia e seu colega Walter Barbero, também conhecido por Teco Barbero, é jornalista e fotógrafo, ambos revelam como é possível registrar com as câmaras para dar sentido às coberturas cinematográficas com novo olhar.

Tudo parecia uma brincadeira de criança para a paulista residente em Moji Mirim (SP) que trabalha como cinegrafista desde 2009. Iniciou seu trabalho com as câmeras, mesmo sem estas possuírem nenhuma adaptação. São câmaras como as utilizadas por qualquer profissional apaixonado por imagem de qualidade.

“Começou na minha infância quando eu ia para escola, registrava todos os momentos em áudio, levava meus gravadores antigos e enormes com fita cassete e registrava as aulas e as brincadeiras. Meu primeiro contato com a câmara foi quando participamos de uma matéria e eu muito curiosa por conhecê-la, o repórter me convidou para tocar no tripé que era muito alto e eu pequena, não alcançava o equipamento”, revela Michele encantada pela magia da filmagem desde a infância.

Tempos depois a menina que fazia imitações do programa Aqui Agora, com Gil Gomes, havia despertado a paixão pelo mundo das imagens, mesmo diante da escuridão dos olhos. As mãos desvendavam formas de captar o que descobria com os outros sentidos em cada ambiente. Aos poucos, tudo era capturado pela câmara.

“Na adolescência tive a oportunidade de utilizar uma câmera VHS profissional que era do pai de um amigo meu, em uma reunião entre amigos, onde decidimos brincar com o equipamento que o pai dele pouco usava. Estávamos com as duas irmãs no quarto e fizemos a transmissão na TV da sala da casa. Todos com medo de filmar, mas eu disse que conseguia e coloquei a câmera que estava com problema no fio, fiquei tomando choque no ombro e usei as percepções que eu já tinha desde criança para realizar a filmagem”, relembra Michele.

Teco Barbero é paulista e bastante conhecido em outras cidades pela sua profissão. Trabalha com os cliques através da sua percepção e sempre foi aproximado por máquinas, registrando cada movimento nas coberturas de eventos esportivos. Entre seus principais trabalhos, estão os ensaios fotográficos com atletas paralímpicos do Rio 2016, a convite da revista Isto É.

“Tocado pelo filme ‘Janela da Alma’, e por um colega da faculdade que me estimulou no foto jornalismo, surpreendia a todos com os resultados das minhas fotos. O curso de fotografia durou seis meses, finalizei quando iniciei a disciplina na faculdade e me serviu de pauta nos registros iniciais, permitindo unir a prática com as teorias”, explicou Teco.

Michele e Teco se conheceram pelas redes socais. “Fiquei bastante emocionada ao assistir um documentário com Teco e para minha surpresa ele me adicionou nas redes sociais de imediato. Fez uma série de perguntas sobre os truques para filmar. Um dia me convidou para uma palestra dele e me pegou de surpresa, ao revelar que a palestrante seria eu; gelei, pois nunca havia feito nada parecido, mas com alguns toques dele me lancei no desafio e foi maravilhoso”, afirma Michele.

A bagagem do amigo que já participou de coberturas jornalísticas, eventos, palestras e cursos de fotografia às cegas registrados em seu blog, estimulou Michele a seguir na área, conquistar espaço na grande mídia e a buscar um mestre da cinegrafia para ampliar seu leque de técnicas adquiridos em um curso de seis meses.

“Nós sentimos as sombras. Se a pessoa que enxerga, fechar os olhos por quinze minutos e colocar a mão na frente, irá sentir estas sombras. Cada um tem seu nível de percepção, as minhas são à distância. Graças a estas percepções, conseguia saber a altura das pessoas, tamanho e largura dos objetos e posicionar a câmera na mão. Seguro o meu punho com a outra mão. Também descobri algumas técnicas com um amigo empresário que é apaixonado por cinegrafia, a quem devo bastante”, declarou Michele Correia.

Seja através do som, da vivência ou do pouco resíduo visual, os comunicadores da inclusão demonstram que a oportunidade é fundamental para atuar nos meios de comunicação, vencer barreiras e limites com técnicas e conhecimentos específicos. Em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo é necessário avançar dentro da grande mídia brasileira, abrindo novos horizontes para a comunicação com um público cada vez mais consumidor. A diversidade de sentidos, torna-se o diferencial dessa diversidade humana para esses novos comunicadores da inclusão.

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Renato D’Ávila Moura é jornalista, pós-graduado em comunicação, marketing e web jornalismo. Atuou na TV Sergipe, SEJESP, entre outros.