Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mau jornalismo vive entre o senso comum e a ignorância

Aproveitando a onda de direitismo que assola o país, acho bom refletirmos um pouco sobre o senso comum versus o conhecimento técnico. Vale para a discussão sobre a cracolândia em São Paulo e a polêmica sobre o Big Brother no Rio. Vale lembrar que o senso comum, a braços com a ignorância, é a base do pensamento, qualquer que seja, conservador. Pior que isso são os efeitos sobre a população brasileira que se orienta pela televisão diariamente. O mau jornalismo que é o que nos interessa particularmente, vive desse conúbio amante entre o senso comum e a ignorância. Reforça o preconceito e a hegemonia dos grupos dominantes na sociedade a pretexto de se ouvir os dois lados. Sou visceralmente contra, neste caso, a regra de ouro de se ouvir os dois lados. Há que se pensar que um dos lados é fundamentalmente deletério, principalmente se um desses lados for o poder econômico ou político.

Tomando o lado político uma discussão com minha faxineira, uma pessoa de raros recursos intelectuais (se me permitem falar de uma pessoa que ignora até o fato de eu estar escrevendo usando a lição de seus argumentos), a propósito de uma matéria que nós dois vimos no SPTV primeira edição, do dia 16 deste mês. Passo a relatar com detalhes a referida matéria e a discussão que se seguiu. A reportagem era sobre uma praça abandonada no M’Boi Mirim, periferia de São Paulo. Lá pelas tantas, uma moradora fala que “a culpa da situação da praça é da própria população”. Imediatamente me coloquei firmemente contra o apelo da moradora e a infelicidade da edição. Ato contínuo, minha faxineira, que assistia na sala à mesma matéria, deu voz e razão à dita cidadã. Mas fiquem tranquilos que não vou reproduzir um diálogo de mais de meia hora com insistência teimosa de ambas as partes. Só posso lamentar que a opinião popular contra si mesma é a arma principal das autoridades quando o tema é por exemplo enchente (“o povo joga lixo nos bueiros”) comércio popular (“o povo vive comprando dessa gente”), má educação (“todo mundo joga lixo na rua”), (“o povo brasileiro não tem um pingo de educação”), (Esta “gente diferenciada costuma se comportar como animais”). Não precisa dizer que minha faxineira e o povo paulista inteiro repete essa lengalenga das autoridades. Por que? Porque a mídia, a Rede Globo e todas as outras, costuma ouvir a palavra oficial e uma ou outra opinião de “fala povo” que secundam esta dita posição. Não precisa dizer que calei a boca e deixei de dar a última palavra convencido que minha faxineira espelha, infelizmente, o lugar comum das ditas redes de TV. E os jornais também não fazem jornalismo diferente.

Um jornalismo melhor e mais popular

Acredito que ouvir os dois lados tem que ser feito, mas com inteligência e honradez. Honradez porque o lado mais poderoso não deve e não pode ser confirmado e reforçado na mesma matéria pelo lado mais fraco, sob pena de se criar um círculo vicioso de chavões e lugares comuns. Se o repórter não conseguiu depoimento melhor, abandone as opiniões na edição e reforce a “passagem”. O que não se pode é insistir na preguiça e no desleixo. Os repórteres e produtores de repórteres (que na Rede Globo realizam 90% da matéria) sabem bem do que eu estou falando. Os manuais de redação deveriam ter como norma essa conduta de procurar defender o cidadão dos argumentos sempre contrários da hegemonia oficial.

Minha pequena reflexão é mais que uma crítica; é um apelo aos profissionais para que olhem com mais cuidado para a situação do cidadão comum. O povão, às vezes, não parece merecer compaixão, mas há opiniões melhores que devem ser garimpadas para que, pelo menos, as autoridades deixem de ter seus rompantes de autoritarismo e arrogância para cima da indefesa população. As autoridades também sabem do que eu estou falando. Assim se faria, no mínimo um jornalismo melhor e verdadeiramente, mais popular.

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[Fausto José de Macedo é jornalista]