Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo movido por vingança

O Fantástico exibiu no domingo (10/6) uma reportagem sobre o remake da novela Gabriela, cravo e canela, baseada no romance homônimo do imortal Jorge Amado, um dos escritores mais lidos na história da literatura brasileira. A matéria teve como personagem principal a atriz Juliana Paes, que será a protagonista desta nova produção da TV Globo. A atriz Sônia Braga, que interpretou a fogosa baiana na versão original da novela, exibida em 1975 pela mesma emissora, sequer foi mencionada na matéria feita pelo jornalista Maurício Kubrusly.

Sônia, com toda a razão, postou naquela mesma noite, em conta pessoal no Twitter, a sua indignação por não ter sido citada na referida reportagem. “Fiquei estarrecida ao assistir ao Fantástico de hoje. Estarrecida e chocada com o exemplo de mau jornalismo na matéria sobre o remake de Gabriela, que terá Juliana Paes no papel (cuja escolha, aliás, achei perfeita)”, desabafou.

A atriz, que segundo Jorge Amado tornou-se a mais perfeita encarnação de suas personagens femininas, ainda completou: “Das duas, uma: ou foi incompetência ou, pior, falta de respeito mesmo e pura má-fé. Mas isso não chega a ser novidade na emissora. O programa mostrou imagens minhas, na novela original, mas sequer me mencionou como a intérprete original da personagem. Em troca, preferiram me apagar da história da TV. Talvez porque não tenha aceitado trabalhar de graça para eles na divulgação, em Portugal, da novela Dancin’ Days.”

A subserviência aos desmandos

A Globo, ao notar que a reportagem revoltou não só a atriz como uma gama imensa de internautas nas redes sociais, tratou de pedir desculpas logo no dia seguinte ao post de Sônia. Por nota emitida pela sua central de comunicação, tentou justificar o injustificável: “Foi um erro, pelo qual pedimos desculpas à Sônia Braga e aos telespectadores. A única explicação que pudemos encontrar é que a atriz, como Gabriela, é inesquecível a tal ponto que as imagens da personagem subindo o telhado na primeira versão, já parte da melhor antologia da TV brasileira (sic),pareceram aos editores suficientes porque todos conhecem Sônia Braga. Foi um erro, como dissemos, sem que em sua origem, no entanto, estejam as suposições que a atriz menciona na mensagem dela nas redes sociais.”

A explicação dada pela assessoria da TV Globo carece de argumentos mais convincentes, pois não é verdade que “todos conhecem a Sônia Braga”, como afirmou a nota. De 1975 até hoje, várias gerações não tiveram a oportunidade de se deliciar com as interpretações da atriz. Seria muita ingenuidade da direção da emissora querer nos convencer desta falácia e, definitivamente, ingenuidade não faz parte do vocabulário dos editores especializados do “show da vida”, muito menos da própria TV Globo.

Por outro lado, incompetência da “equipe global” também está fora de cogitação, até porque a reportagem foi feita por um jornalista experiente, como é o Kubrusly, que tem uma longa história de bons conteúdos em suas matérias – é uma pena que a subserviência aos desmandos da direção da casa e da editoria do programa Fantástico tenha manchado a sua reputação de bom profissional.

Informações consistentes

Portanto, nota-se claramente que a Globo agiu, sim, de má-fé. Negligenciou uma norma básica para a produção de um jornalismo responsável em detrimento de uma possível vingança que até então, ao que parece, só era conhecida nos bastidores do meio televisivo.

O jornalismo produzido pelo Fantástico precisa ser trabalhado com o máximo de isenção e imparcialidade possível, utilizando as técnicas fundamentais para que uma reportagem ofereça ao telespectador o maior número de informações importantes para compreensão da mensagem. Afinal, milhões de pessoas das mais variadas classes sociais e com idades diferenciadas assistem ao programa e merecem consumir informações consistentes e com qualidade editorial. Ademais, falar de Gabriela sem mencionar Sônia Braga é o mesmo que escrever uma biografia de Jorge Amado e ignorar a grande escritora Zélia Gattai. Não há como.

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[João Dell’Aglio é jornalista, Salvador, BA]