Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A quem as emissoras devem servir?

Poucos debates são mais importantes do que a discussão a respeito do caráter público da comunicação e seu impacto na sociedade. Da BBC à TV Brasil, diversas instituições têm sido alvo de questionamentos acerca do conceito. Qual é o interesse a ser preservado na produção de conteúdos sob responsabilidade das emissoras públicas?

Este debate é essencial para compreender o papel de emissoras legislativas, emissoras universitárias e também da Cultura, de São Paulo. A quem estas emissoras devem servir? Aos governantes, aos juízes, aos vereadores, aos deputados, aos senadores, aos funcionários públicos? Ou à sociedade? Esta pergunta ganha ainda maior relevância, quando se coloca em perspectiva o Estado e as confusões historicamente construídas entre interesse privado e interesse público.

É fácil elencar fatos que comprovam a apropriação de bens, estruturas e serviços estatais por grupos privados, dos mais diferentes matizes. Isto é perceptível no uso de bens públicos de forma indevida, desde carros oficiais a imóveis, escolas, hospitais. Na comunicação, tal fenômeno também é corriqueiro, o que leva muitas pessoas a confundirem Estado, com governo, partidos políticos e grupos privados. Na Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, bem como das Rádios AM e FM homônimas, ocorreram episódios que ilustram como é possível contrariar os interesses da sociedade às custas do dinheiro público. Após a preparação de matéria sobre os elevados preços dos pedágios em São Paulo, Gabriel Priolli, que dirigia o jornalismo da TV Cultura, deixou o cargo. Também foi demitido o jornalista Heródoto Barbeiro, ao formular uma pergunta sobre o mesmo tema a José Serra, no programa Roda Viva.

Fortalecidas e valorizadas

Já o colunista econômico Luis Nassif fora demitido por publicar críticas ao balanço financeiro da Sabesp, empresa pública dedicada ao fornecimento de água e saneamento. Curioso notar, que pouco antes das eleições presidenciais, a empresa estava investindo muito dinheiro em campanhas publicitárias na mídia nacional, mesmo sendo uma instituição que presta serviços exclusivamente ao estado de São Paulo.

Estando no poder, dirigindo autarquia, órgão público da administração direta ou indireta, alguns indivíduos cedem à tentação de se aproveitar do que é de todos, em benefício de poucos. Na comunicação social, isto pode se tornar ainda mais perigoso: em lugar de TVs e rádios orientadas pelo interesse da sociedade, pode dar origem órgãos de manipulação, consagrados à mentira, ferindo a transparência e a democracia.

Para evitar estes malefícios, há soluções: criar e fortalecer conselhos gestores, com ampla representação, de diversos seguimentos da sociedade; garantir financiamento, livre de pressões e ingerências, condizente com a importância e com a função dos meios de comunicação social; dar autonomia administrativa aos gestores e segurança aos funcionários, para produzir entretenimento e jornalismo de qualidade. Entretanto, estas medidas só serão tomadas com a participação e a efetiva cobrança da sociedade, a partir do entendimento que a comunicação é um direito humano. Sem o pleno exercício da expressão, os demais direitos humanos são quase inalcançáveis.

É preciso reafirmar que as TVs legislativas não são dos legisladores, as TVs judiciárias não são dos juízes, as TVs universitárias não são de alguns professores. Pertencem à população, devendo ser norteadas pelo interesse público, conforme os princípios constitucionais do Brasil. As emissoras públicas devem ser fortalecidas e valorizadas, renovando seu compromisso a sociedade como um todo, em lugar de ceder às tentações que emanam do exercício políticos individualistas.

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[Ruy Alkmim Rocha Filho é professor universitário e jornalista, Parnamirim, RN]