Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Arrependido? Nem pensar, cara

É difícil acreditar que Charlie Sheen está estrelando outra série de TV. É difícil acreditar que cerca de um ano após ser demitido de um papel imensamente popular e lucrativo em Two and a Half Man, de passar semanas aparecendo em entrevistas na TV parecendo um zumbi e disparando frases sobre “sangue de tigre”, saia em turnê com um show ao vivo mambembe, que um canal a cabo, um estúdio e uma empresa de distribuição considerassem que a melhor coisa a fazer era recolocá-lo no ar o mais rapidamente possível. É difícil acreditar que Sheen ainda esteja vivo.

E, no entanto, ali estava ele, relaxando embaixo de uma tenda no estúdio em Sun Valley onde está filmando sua nova série, Tratamento de Choque, que estreia hoje (20/9) no canal TBS, às 21 h, depois de um dia inteiro de trabalho no 10º episódio. Não havia estrelas pornô nem paparazzi por ali. Apenas Sheen, 46 anos, fumando sem parar Marlboro Reds na companhia de seu assessor de imprensa, Larry Solters, seu agente de mídias sociais, Bob Maron, e seu sobrinho Taylor Estevez, 27 anos, a cara escarrada de seu pai, Emílio.

Em seu ônibus de turnê ali perto, decorado com desenhos de seus filhos pequenos, um Sheen efusivo entregara copos de Macallan Scotch. Agora, do lado de fora, fazia um discurso sobre seu treinamento em artes marciais para o filme Hot Shots! Part Deux (Top Gang 2: A Missão); sobre por que se considera um jogador aposentado (não em recuperação); e por que, a despeito de sua história de abuso de drogas, reabilitação e recaídas, não precisava dar a seus novos empregadores nenhuma garantia de preservação da saúde. “Eles sabiam no que estavam se metendo. E sabem que o percurso nem sempre vai ser manso.”

“Um tema de expiação”

Há muitas razões para Sheen querer que Tratamento de Choque tenha êxito sem incidentes, e não só porque ele é dono de uma parte da série. É sua chance de recuperar seu legado após a saída intempestiva de Two and a Half Man – sua última chance, se a nova série for, como ele anuncia, o “canto do cisne” de sua carreira.

Esse dia de trabalho foi especial para Sheen porque ele transcorreu sem incidentes. Ele chegou por volta das 9h30, com uma camisa branca engomada e um boné de beisebol com o mascote brandindo a machadinha da Psychopathic Records, o selo Insane Clown Posse, juntando-se a seus colegas de elenco para ler o roteiro. Nas 12 horas seguintes, ele filmou seis ou sete cenas, todas centradas no seu personagem, Charlie Goodson, e algumas contracenando com Martin Sheen, que tem um papel de artista convidado como o pai distante de Charlie.

Tratamento de Choque, livremente adaptado do filme de 2003 com Adam Sandler e Jack Nicholson, traz Charlie Sheen como um antigo jogador de beisebol promissor que, durante uma briga, tentou quebrar um bastão na perna e acabou quebrando o próprio joelho, o que o fez abandonar o esporte. Agora ele trabalha como terapeuta, aconselhando pacientes desajustados enquanto tenta manter um relacionamento saudável com a ex-mulher (Shawnee Smith) e a filha adolescente (Daniela Bobadilla), e relações íntimas ocasionais com a própria terapeuta (Selma Blair). Sheen afirmou que é importante para ele a série ter “um tema de expiação”. “Muita gente encorajava o jogador e ele acabou com a sua carreira pelo próprio destempero.”

Os mágicos 100 episódios

E Sheen sabe que tem muita coisa a expiar. Culminando um período de 15 meses em que foi preso por agredir sua mulher na época, Brooke Mueller, e ejetado de uma suíte destroçada do Plaza Hotel, após o que seu assessor de imprensa descreveu como “reação alérgica adversa a algum medicamento”, ele foi demitido em março de 2011 de Two and a Half Man, sucesso da CBS que estrelou desde 2003. Sua demissão encerrou semanas de disputa com Chuck Lorre, cocriador da série, e terminou com uma declaração da Warner de que a conduta de Sheen havia se tornado “perigosamente autodestrutiva”. Seguiu-se uma escalada de abuso de drogas e Lorre insistiu para Sheen entrar na Alcoólicos Anônimos (AA), o que o ator deixou claro que não faria.

Sheen não fala com nostalgia da série e em relação a Chuck declara: “Preciso lhe dizer que não guardo ressentimento.” Lorre não quis comentar, mas sua escolha de Kathy Bates como o fantasma do personagem de Sheen diz o bastante sobre seu interesse numa reconciliação. Após a entrada explosiva de Sheen na mídia social, ele ainda precisa imaginar como ganhar dinheiro com os seus 7,4 milhões de seguidores no Twitter. Mas ele aproveitou o sucesso para ser coprodutor executivo em Tratamento de Choque.

Bruce Helford, criador e diretor de produção de Tratamento de Choque, diz que se ela for a 100 episódios, a regularidade do cronograma da produção nos próximos dois anos poderá ser boa para Sheen, que não é conhecido por sua confiabilidade. Nos EUA, o canal FX exibe Tratamento de Choque como parte de bloco de comédias de quinta à noite, no qual é precedido por reapresentações de Two and a Half Man, que atinge altas audiências, o que dá a Tratamento de Choque chance de chegar aos mágicos 100 episódios.

“Você em especial não é igual”

Embaixo de sua tenda, Charlie Sheen foi categórico sobre se submeter a testes de drogas enquanto participar da série. “É uma invasão de privacidade.” Ele estava confiante de que seus fãs o seguiriam para Tratamento de Choque e o perdoariam pelas ameaças de violência que fez a Mueller e também a sua ex-mulher anterior, Denise Richards.

Sheen parece seguro de que quando terminar Tratamento de Choque vai abandonar a atuação e sua vida se resumirá a “jogos de futebol e parques de diversão” com as filhas, Sam, oito anos, e Lola, sete, com Richards, e os gêmeos Bob e Max, com Mueller (Sheen tem ainda uma filha de 27 anos, Cassandra, de um relacionamento anterior). Quando perguntaram a Sheen o que ele faria após Tratamento de Choque, garantiu que seria fácil abandonar a atuação. “Aqui dentro, ainda sou o garoto de sete anos no fundo da sala, com medo de levantar a mão. Não quero que tudo isso mate essa criança. Eu me recuso a crescer.”

Não seria surpresa se Sheen não cumprisse essa promessa, mas suas interações com Taylor Estevez, seu sobrinho, tornaram isso quase plausível. Enquanto Estevez ficou em silêncio na maior parte da entrevista, Sheen fez vários esforços para trazê-lo para a conversa. Quando ele finalmente falou, deu a entender ao tio que estava impressionado com a sua candura. “Todo mundo tem direito à sua vida”, disse a Sheen. “Todos são diferentes, e todos são iguais. Mas você em especial não é igual.”

***

[Dave Itzkoff, do New York Times em Los Angeles]