Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A propagação do perigoso pseudojornalismo

No dia 28 de março, Danilo Gentili recebeu em seu programa Agora é Tarde o deputado federal (PSC) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias Marco Feliciano. É de claro conhecimento do público nacional que a simples menção a um dos mais notáveis personagens das manchetes brasileiras atualmente é o suficiente para incitar reações adversas em variados grupos.

Naquela quinta-feira, prevaleceu a atitude mais recorrente em todo o território brasileiro para com o entrevistado, que além de atuar na Câmara dos Deputados é o pastor presidente da igreja Assembleia de Deus Catedral do Avivamento. Assim como nas redes sociais, as pessoas na plateia do talk show receberam o político com desdém, o que pode ser considerado um reflexo das provocações previamente feitas no mesmo dia pelo ex-repórter do CQC em seu palco.

Logo após sua espalhafatosa e egocêntrica entrada, acompanhada do anúncio do início do programa, Danilo Gentili proferiu a seguinte frase: “Hoje, vamos receber o pastor e deputado mais polêmico da atualidade, Marco Feliciano”. No público, uma tímida exaltação dos participantes, abafada por um silêncio indiferente, ficou ainda mais constrangedora quando foram mostradas na tela três cabeleireiras no estúdio, cada uma com um cartaz, contendo os dizeres: “Não fazemos chapinha em marmanjos”.

A hora do entrevistado

A piada que viria a seguir preparava, tal qual um boi arando a terra, o terreno para uma maior oposição ao alvo das polêmicas envolvendo o convidado do dia. A intenção do bispo Edir Macedo, proprietário da Rede Record, de chegar ao mesmo patamar da Globo em um período de três anos, foi ridicularizada, principalmente através de brincadeiras para com o centro da adoração cristã e o líder religioso. “O novo slogan é ‘A caminho da liderança. E eu acho que eles vão conseguir, viu?’ Pô, Deus trabalha lá”, falou o apresentador, replicado por um “e olha que Ele é estagiário” de Marcelo Mansfield. Insatisfeito, o humorista mostrou na tela a montagem de uma sugestão de programa para alavancar a audiência da emissora. “Domingão do Bispão”, em alusão a atração dominical da Globo, era o título. “Esse programa tem um caminhão de prêmios… que o bispo ganha”, terminou Gentili.

A seguir, no bloco “Passou na TV”, uma série de piadas com situações engraçadas (na concepção de Danilo) em outros programas brasileiros, uma edição caçoando de declarações da cantora Baby do Brasil ao Altas Horas (Rede Globo) também serviu de artimanha contra a imagem dos evangélicos – grupo o qual, inegavelmente, tem dado grandes brechas a questionamentos sobre os seus fundamentos.

Após novas referências aleatórias a outros produtos de grades televisivas concorrentes, sempre com o humor conhecido do apresentador, finalmente chegou a hora de o entrevistado da noite se posicionar diante de uma plateia que já mostrara ser contra sua postura, seus ideais e até mesmo sua pessoa, e do comediante, famoso por não medir palavras, expressões e piadas de mau gosto.

Gentili é um jornalista?

A introdução a Marco Feliciano começou com as seguintes palavras: “Ele se tornou o político mais polêmico do Brasil, e olha que a concorrência é pesadíssima” (muito semelhante ao que foi dito por Marília Gabriela quando Silas Malafaia visitou seu estúdio). Por outro lado, a menção à positiva surpresa pela aceitação do convite, por parte do deputado, para participar do Agora É Tarde serviu para deixar a balança equilibrada, porém por poucos minutos. Antes de a entrevista ter início, Danilo Gentili fez questão de falar a Feliciano, como que sutilmente mostrando quem começava com a vantagem: “O senhor sabe que se ao invés de eu entrevistá-lo, ficar apenas ‘cagando na sua cabeça’, amanhã serei o cara mais popular do Brasil, certo? O senhor tem consciência disso.” Ao combinar com o político que deixaria as diferenças de lado e seria comedido, perguntou à plateia, de modo informal, se daquele jeito estaria tudo bem. A reação? Não – 75% queriam o pastor acuado.

A conversa entre os principais elementos naquele palco seguiu com provocações do humorista e tentativas de respostas sérias por parte de Marco Feliciano. Tanto em relação à política quanto à religião, Danilo manteve sua postura irreverente, contraditória e, muitas vezes, desrespeitosa.

Perguntas que se opõem ao pensamento de entrevistados são comuns no jornalismo. Na verdade, é um direito e, acima de tudo, dever do profissional de imprensa questionar princípios e declarações, principalmente de figuras políticas. Porém, Danilo Gentili é um jornalista? Não. O público, entretanto, acredita que sim.

O processo de votação

Formado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, o status de “repórter” foi empregado quando iniciou no programa CQCCuste o Que Custar. A propósito, o próprio gênero “jornalismo” como referência a atração da Band é altamente contestado. Em uma coluna no site da revista CartaCapital, o jornalista Leandro Fontes usou a justificativa abaixo contra essa nomeação:

“Não é jornalismo porque a missão do jornalista é decodificar o drama humano com nobreza e respeito ao próximo. É da nobre missão do jornalismo equilibrar os fatos de tal maneira que o cidadão comum possa interpretá-los por si só, sem a contaminação perversa da demência alheia, no caso do CQC manipulada a partir dos interesses de quem vê na execração da política uma forma cínica de garantir audiência.”

Outro fator que permite aos telespectadores deduzirem estar diante de um programa voltado tanto ao humor quanto ao jornalismo foi o prêmio Troféu Imprensa recebido pelo Agora É Tarde, na categoria “Melhor Programa de Entrevista”. Seus concorrentes eram nada menos do que De Frente com Gabi (SBT) e Programa do Jô (Globo). O processo de votação, explicado no próprio site oficial da premiação, pode ajudar a compreender esse resultado:

“Os questionários, com 20 perguntas cada, são divididos de acordo com a classe social: 50 para classe A, 300 para classe B, 350 para classe C, 350 para classe D, além de 50 para universitários e 50 para a imprensa, num total de 1.150 pesquisas em cada uma das cidades [São Paulo e Rio de Janeiro].”

Desejo de mudança

Claramente, a maior parte dos votos não ficou por conta dos especialistas no gênero “entrevista” e “imprensa” – sem qualquer julgamento de capacidade intelectual por classe. O ponto mais importante a ser observado nessa lista de votantes é a ausência de estudiosos sobre os fundamentos jornalísticos. Neste caso, o “INFOtenimento”, a tentativa de unir jornalismo e entretenimento, uma forte tendência na mídia de hoje, prevaleceu na escolha do Agora É Tarde como o melhor programa de entrevistas do ano passado.

Isso é o reflexo de um público que se acostumou com um conceito errôneo de jornalismo. Exibições como Globo Esporte, CQC, as edições comandadas por Tadeu Schmidt no semanal Fantástico e os sensacionalistas Cidade Alerta e Balanço Geral, apenas alguns exemplos, transformaram pseudojornalistas, que fazem um pseudojornalismo, em personagens. Tais profissionais da indústria de entretenimento acabaram elevados a patamares acima da própria informação pura, dos conceitos iniciais do verdadeiro Jornalismo (Quarto Poder, Watchdog e serviço/interesse público), e influenciaram o pensamento dos telespectadores de que a essência da transmissão das notícias é piegas, chata ou “culta demais”.

Enfim, Danilo Gentili, no Agora É Tarde, não faz jornalismo, e também não o fazia no CQC. Sua postura, porém, deixa subentendido que sim, seu trabalho é um serviço público. Talvez com sua casa de humor na Rua Augusta ele preste algum serviço, como aliviar o estresse da semana dos paulistanos – e provavelmente cobre em 10% da conta de seus clientes. O apresentador, porém, esquece que jornalismo não é permitir o conforto. Pelo contrário, é gerar conflito, incômodo e desejo de mudança. É um ato de refletir a realidade, a qual não é, ou pelo menos não tem sido, motivo de gargalhadas.

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Roberta Rodrigues é estudante de Jornalismo, São Paulo, SP