Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Violência no ar

Os últimos picos de audiência atingidos pelo programa “Cidade Alerta”, da Record, atestam uma velha máxima sobre o fazer midiático: a de que violência e ibope andam de mãos dadas.

O programa bateu os 13 pontos e neste patamar se manteve, no calor da pancadaria que se espalhou pelas ruas de São Paulo na última quinta, durante os protestos do Movimento Passe Livre. Enquanto a passeata fluía sem incidentes (até as 19h10), a audiência oscilava em torno dos 9 pontos.

O “Cidade Alerta” vem numa curva ascendente. Quando Marcelo Rezende, 58, estreou no comando da atração, o ibope girava na vizinhança dos 6 pontos. Hoje, um ano depois, o jornalístico crava 9.

O concorrente “Brasil Urgente”, da Band, registrava média de 7 pontos antes da escalação de Rezende para o “Alerta”. Estacionou nos 4.

Publicidade nunca foi o forte desses programas. Ainda assim, Rezende conta que o número de anunciantes cresceu. “Antes, tínhamos três propagandas em cada break'. Agora são seis, a maioria para donas de casa.” Ele afirma que o seu público inclui as classes A, B e C.

Mas Rezende concorda que expor crianças a seu programa não é o ideal. “Uma avó comentou que seu neto de três anos adorava quando eu falava corta' para o câmera. Eu brinquei: Tem que botar ele para ver Carrossel'.”

Cidadania e segurança

E em que medida a alta de índices de violência na Grande São Paulo, como o de latrocínios (74% no primeiro quadrimestre), explica o quadro? Para José Luiz Datena, 56, do “Urgente”, “é evidente que, com bombas explodindo, a audiência vai subir”.

Às acusações de exploração da violência ou à menção da expressão “mundo-cão”, os dois reagem veementemente. Datena admite que a cobertura de polícia ocupa o grosso de seu programa, mas devolve: “Proporcionalmente, a do Jornal Nacional' também”. E provoca: “Novela não é violência?”.

Rezende, que defende no ar a ideia de que brasileiros parem de pagar impostos, atribui o sucesso ao fato de que “as pessoas se sentem representadas”. “Trazemos uma reflexão sobre cidadania e segurança, algo que nem nas escolas é discutido.”

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Datena e Rezende atingem cerca de 900 mil famílias

José Luiz Datena e Marcelo Rezende atingem juntos mais de 900 mil lares na Grande São Paulo, por quase seis horas diárias.

Sobre os protestos na última quinta-feira, ambos mais concordam do que divergem. Os dois são contra o aumento tarifário. Para Datena, “é político e veio fora de hora”. Para Rezende, “o salário da população não acompanha a inflação gigantesca”.

Na quinta-feira [13/6], Datena ficou entre os temas mais comentados no Twitter. Isso porque, durante o programa, houve a seguinte enquete: “Você é a favor de protesto com baderna?”. Foram 2.179 votos no “sim” e 915 no “não”.

“Fiquei surpreso”, diz. Insatisfeito com o resultado, reformulou a questão: “Você é a favor deste tipo de protesto?”. Houve 2.090 votos para “sim”, e 1.477 para “não”.

“O que era ventania virou furacão. Antes, era movimento pelo passe livre. Agora, virou movimento social. O Estado não quer isso, mostrou os dentes, não vai retroceder. As coisas podem piorar no próximo protesto”, prevê.

Nas passeatas anteriores, Datena criticou duramente as depredações e apoiou a ação policial. Agora, diz que se emocionou com as primeiras imagens da passeata na quinta: “Era democrático e bonito de se ver. Me lembrou o impeachment, as Diretas Já”.

Para ele, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) “fizeram a coisa mais esdrúxula” na semana passada indo a Paris vender a Expo 2020, feira internacional pleiteada por São Paulo. “Quem vai querer a Expo numa cidade com essas ocorrências?”

Elogios mútuos

Rezende enxergou uma dupla falta da polícia: os abusos cometidos por alguns membros da corporação e a incapacidade de identificar os “baderneiros” do movimento. “A inteligência da polícia teve tempo suficiente para monitorar as redes sociais e já deveria saber quem são.”

Para ele, a questão é a impunidade: “É preciso reavaliar o sistema, discutir a prisão perpétua e a pena de morte, às quais sou favorável dependendo do caso”.

“Um cara que matou 130 vezes não vai virar a madre Teresa”, diz. “Mas não vale só para o pobre. Por que o Maluf não vai para a cadeia?”, pergunta o apresentador, em seu escritório na Record.

Rezende conta que, na semana passada, comprou um carro blindado por conta da escalada da violência.

Uma foto solitária do escritor alemão Thomas Mann enfeita a parede de sua sala.

“É meu escritor predileto. Gosto de Morte em Veneza', da maneira como é construída a atmosfera erótica que se estabelece entre os personagens. A suavidade das palavras, as hesitações dos olhares, o ímpeto contido, é a coisa mais erótica que já vi”, diz o apresentador, que também é enófilo e adora cozinhar.

Rezende diz ser amigo de Datena: “É mais do que um jornalista, é um comunicador”. Datena retribui: “Rezende é ótimo jornalista e tem uma equipe muito boa”. (MK)

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Morris Kachani é repórter da Folha de S.Paulo