Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os reflexos da derrota de Anderson Silva para a difusão do UFC

Armado ou não, com o campeão querendo se aposentar ou não, com muitas (e normais) brincadeiras no octógono, a derrota de Anderson Silva no último sábado (6/7) deve trazer vários reflexos no grande ritmo de crescimento dos espectadores do Ultimate Fighting Championship (UFC), especialmente no Brasil. Criado em 1993, o UFC deveria colocar em luta as diferentes artes marciais, de forma a se conhecer o melhor lutador, em meio a diferentes pesos e técnicas. Dentre os proprietários estava a família Gracie, formada por brasileiros desenvolvedores do jiu-jitsu. Em 2001, a franquia foi comprada pelos estadunidenses Dana White, Lorenzo e Frank Ferttita, através da Zuffa, já enquanto disputa de artes marciais mistas (MMA).

Organizado no país que entende de espetáculos esportivos – que o digam o All Star Game (basquete) e a final da NFL (futebol americano) – o UFC enfrentou muitas barreiras por conta da exposição de violência, tendo dificuldades em realizar lutas em algumas cidades e países e até mesmo de ser aceito enquanto conteúdo na televisão. Só em 2005, com a realização do reality show The Ultimate Fighter, em que lutadores do UFC treinam novos atletas que buscam assinar contrato com a franquia, há o boom de audiência, com os lucros só aumentando, a ponto de a Zuffa comprar outras franquias de MMA ao redor do mundo, caso do japonês Pride, tornando-se o principal torneio desta modalidade.

Anderson Silva saiu do Pride para o UFC, conquistando o cinturão dos pesos médios em 2006, ganhando as 10 defesas realizadas nos anos seguintes e se tornando o principal lutador de MMA da história. Além disso, o jeito provocador nas pesagens – como usar uma máscara na “encarada” – e dentro do octógono, fizeram-no ser a principal estrela da companhia. O “Spider” era muito bom para lutar, mas também fora do espaço de luta.

Rede Globo exigiu compra das lutas

Transmitido através de pay-per-view no Canal Combate das Organizações Globo e na TV aberta desde 2009, através de reprises aos sábados à noite na RedeTV!, o UFC cresceu bastante no Brasil e em muito pouco tempo. Também graças a Anderson, que fez em fevereiro de 2011 a chamada “luta do século” contra o brasileiro Vitor Belfort, que poderia ter a importância para o UFC por aqui atingida pelo seu rival. Vitor foi campeão da franquia aos 19 anos, ainda na época em que pertencia à família Gracie. Vindo da classe média carioca, com um discurso religioso, Belfort foi o primeiro a ter uma luta exibida em TV aberta. O UFC 37.5, em que ele disputou o cinturão com Chuckl Lidell, foi transmitido pelo SBT. No mesmo ano, ele participara do reality show Casa dos Artistas, iniciando o namoro com Joanna Prado. A derrota dele acabou bloqueando novas tentativas de transmissão.

Em 2011, o MMA já era sucesso entre os aficionados por luta, superando em preferência o boxe, que caiu bastante por aqui após a era Acelino “Popó” Freitas. Aquela luta marcaria a atenção de outras emissoras no que era entendido como “exibição violenta”, ainda que as novas regras tenham restringido bastante a antiga luta livre. Ainda no primeiro round, Anderson acertaria um chute, ensinado pelo ator e especialista em artes marciais Steven Seagall, no queixo de Belfort, mantendo o título de forma sensacional.

Após 13 anos, 2011 também marcou a volta do UFC ao Brasil, com transmissão ao vivo da RedeTV! do card que tinha como momento principal a defesa de cinturão de Anderson Silva contra o japonês Yushin Okami. Manutenção do cinturão e uma das maiores audiências da história da emissora: liderança com pico de 12,8 pontos. Aquilo gerou uma verdadeira guerra entre as emissoras de TV pelos direitos de transmissão do evento para 2012. Por pouco ele não foi parar na Band, mas a direção geral da Rede Globo exigiu à direção de esportes a compra da exibição das lutas – de início, o setor de esportes achava que seria muito violento para o público da emissora – e a Zuffa entendeu ser importante entrar no mercado brasileiro através da líder.

O lutador imbatível de voz fina

Da parceria, algumas lutas foram exibidas, com direito a “ao vivo” após meia hora da ação real, por conta de exigências do contrato que prioriza o pay-per-view, gerando uma série de comentários nas mídias sociais. Além disso, foram realizadas duas edições do reality show The Ultimate Fighter no país, para descobrir novos lutadores para a franquia. 2013 já trazia resultados ruins para a parceria, com a Globo sinalizando que não deve fazer outro TUF Brasil, dada as baixas audiências do segundo programa – e da dificuldade em agradar um público segmentado, que não gostou da edição no molde reality show.

A primeira luta de Anderson Silva em 2013 se deu no principal evento do UFC no ano, realizado na MGM Arena, em Las Vegas, no final de semana do Dia da Independência nos Estados Unidos, em que a franquia monta um esquema diferente para atração do público. Aqui no Brasil, a defesa do cinturão dos médios contra Chris Weidman foi anunciada nos programas esportivos ao longo da semana e seria transmitida na madrugada de sábado – desta vez sem o “ao vivo”, mas sem falar, como sempre, que era uma reprise.

Ainda que José Aldo (pesos penas) e Renan Barão (pesos galos) mantenham outros cinturões, e que as histórias de vida do próprio Aldo e de Rodrigo Minotauro tenham um grande apelo emocional, Anderson era a imagem do UFC para o país. O lutador imbatível, mas que é pai de família e apesar de toda experiência em bater tem uma voz fina, tendo construído um mito, e que participou de vários programas de entretenimento – não só da Globo – neste período.

Dúvidas no médio prazo

Pior do que a derrota, que gerou dúvidas sobre a vontade do lutador brasileiro e até sobre a credibilidade do UFC, seria a confirmação de que Anderson não lutará mais pelo cinturão, caminhando para uma aposentadoria aos 38 anos. Não é à toa que Dana White, após a luta, fez questão de frisar que Spider quer muito a revanche, mesmo que ele não tenha dito isso. Nas cabeças pensantes, e lucrativas, do UFC, já se desenhavam “superconfrontos” entre Anderson Silva e Georges Saint-Pierre (campeão dos meio-médios) ou Jon Johnes (campeão dos meios-pesados), que com certeza elevariam para um novo patamar mercadológico esta franquia de MMA.

Como observado, a presença midiática foi importantíssima para o salto financeiro do UFC, com um reality show sendo o marco para o crescimento. Além disso, o pay-per-view continua sendo a principal forma para medir o sucesso de uma edição do evento antes dele ocorrer. Muitas vezes se escuta um lutador destacado dizer que uma luta com outro “não venderia tanto pay-per-view”.

Claro que o sucesso acabou levando o evento para meios de comunicação mais generalistas, casos da Rede Globo, aqui no Brasil, e da Fox, nos Estados Unidos. Ambos estrearam em novembro de 2011, com a transmissão da conquista do cinturão dos pesos-pesados pelo brasileiro Júnior Cigano. Resta observar os próximos passos de Anderson Silva e do UFC, que terá outras quatro edições no Brasil ainda em 2013, mas a surpresa diante da vitória de Chris Weidman no UFC 162 é proporcional às dúvidas no médio prazo quanto à continuação do aumento do público que passou a assistir às lutas.

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Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação