Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que esperar de 2014

“O segredo da televisão está em como criar o hábito.” A frase de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, embalou por muito tempo a ideia de que uma grade bem estruturada, sem sobressaltos, é fundamental para conquistar o espectador.

A afirmação, e uma de suas variações (“TV é hábito”), também é usada, ainda hoje, para justificar as decisões mais conservadoras ou para criticar qualquer tentativa de inovação na TV aberta.

Penso, por exemplo, na reação que “Além do Horizonte” vem provocando. Lançada em novembro de 2013, a novela apresenta várias características que a colocam em conflito com este mantra do “hábito”.

Para começar, é uma intrincada história de mistério num horário, o das 19h30, que se consagrou como espaço de comédias leves. Não bastasse, os seus dois autores, Marcos Bernstein e Carlos Gregório, nunca assinaram uma novela antes.

Para espanto geral, os três protagonistas (Juliana Paiva, Thiago Rodrigues, Vinícius Tardio) são nomes pouco ou nada conhecidos. Também não há nenhum “medalhão” em cena –os atores mais famosos são Alexandre Borges, Flávia Alessandra, Marcelo Novaes, Antonio Calloni e Carolina Ferraz.

Exemplo menor

Não era preciso ser Mãe Dináh para prever que “Além do Horizonte” teria problemas com o Ibope. A audiência vem se mantendo abaixo da média do horário desde a estreia.

Colunistas que seguem os bastidores do mundo da TV têm alimentado os leitores com informações negativas. “Fracasso” e “naufrágio” são duas das palavras mais usadas para se referir à novela.

Especula-se que a novela será encurtada. Lamenta-se que a baixa audiência está puxando para baixo o resultado do “Jornal Nacional”. Também fala-se em uma intervenção da Globo, destinada a alterar os rumos do folhetim e, até, na entrada em cena de algum autor mais experiente para ajudar os novatos.

Duas coisas são reais em meio a tantas especulações: a baixa audiência e o tom negativo do noticiário. Tenho a impressão de que ambos são consequência da mesma dificuldade, a de lidar com a aposta em algo novo –e, na minha opinião, de boa qualidade.

Numa das primeiras entrevistas que deu, depois de assumir a direção-geral da Rede Globo, em 1º de janeiro de 2013, o jornalista Carlos Henrique Schroder disse à coluna de Mônica Bergamo, na Folha, que não guiaria a sua gestão por metas de audiência. “Temos que tirar da frente a obrigação de entregar pontuação. Temos que entregar o produto. A audiência virá como consequência”, disse então.

Parece óbvio, a todos que acompanham o mercado de televisão, que não é mais possível apostar todas as fichas na tal “grade” imutável, baseada em “hábito”. É preciso hoje levar em conta a expansão da base de assinantes da TV paga, a oferta cada vez maior de canais, as possibilidades de gravação e a multiplicidade de meios de se ver produtos audiovisuais (YouTube, Netflix, smartphones etc).

O investimento da Globo em uma novela “esquisita” como “Além do Horizonte” é apenas um exemplo de menor importância. Mas espero, em 2014, que a reação negativa não influencie outras decisões ousadas e necessárias, seja da própria emissora, seja das suas concorrentes.

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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo