Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

‘Redes de TV desesperadas’

Em novembro de 2004, o chefão da rede NBC, Bob Wright, pediu para sua secretária fazer algo considerado irregular nos Estados Unidos –uma ligação telefônica para o funcionário de uma emissora concorrente. No caso, para Marc Cherry, criador da série “Desperate Housewives”.

Lançada um mês antes pela ABC, a série rapidamente virou fenômeno de audiência. Wright só queria saber uma coisa de Cherry: “Me diga sim ou não: você ofereceu este projeto à NBC?” A resposta foi rápida: “Sim, eu ofereci primeiro à NBC”.

Wright, então, quis saber de Cherry com quem ele havia conversado. O autor mencionou alguns nomes, mas ressalvou: “Eles me falaram que o projeto era ótimo e tudo mais, e depois me disseram que não tinham certeza se era uma comédia. Então, o enviaram à área de dramas. E depois eu ouvi que não tinham interesse.”

O relato deste diálogo está na abertura de “Desperate Networks”, de Bill Carter, repórter do “New York Times”. O livro, de 2006, traça um panorama do mercado de TV aberta nos EUA no início do século 21.

Naquele momento, as grandes redes já tinham consciência de que uma revolução tecnológica estava em curso e lutavam para conter a fuga de espectadores e de receita com publicidade. A situação lembra muito o estado atual das grandes redes brasileiras.

Tudo igual

A batalha de Marc Cherry, ao longo de dois anos, para viabilizar a ideia da série é um dos fios condutores do livro. Roteirista experiente, ele ofereceu o projeto não apenas à NBC, mas também aos canais CBS, Fox, Showtime e HBO.

Alguns “nãos” que ouviu foram diretos, sem justificativa. Outros envolveram mentiras e embromação. Como observa um produtor, os executivos sempre dizem desejar programas inéditos, mas de fato eles só querem o novo depois que o novo já está no ar e provou ser capaz de atrair audiência.

A mesma ABC que aprovou “Desperate Housewives”, lembra o livro, foi a que, anos antes, reuniu seus executivos para ouvir o famoso produtor Jerry Bruckheimer apresentar a ideia de uma série policial inédita e disse “não” a ele. Tratava-se de “CSI”, depois lançada pela CBS.

Rejeições por falta de visão sempre ocorreram. A diferença, como sublinha Carter, é que hoje identificar a chance de exibir um programa campeão de audiência se tornou uma questão de vida ou morte.

“É preciso uma combinação de ousadia, visão e paciência extrema para ser capaz de identificar um programa fora do comum em meio a centenas de ideias que aparecem todo ano”, escreve. “E é por isso que os executivos das redes de TV quase nunca encontram nenhum.”

“A verdade é que não importa o quanto eles gastem com o desenvolvimento de roteiros, quais astros assinem contratos multimilionários, quantas ideias eles deem para histórias ou personagens, programas de sucessos costumam chegar às mãos dos executivos de TV por acaso, por capricho ou por pura sorte”, conclui.

Presidente da NBC por muitos anos, hoje na CNN, Jeff Zucker é citado no livro dizendo: “Um dos grandes problemas neste negócio é que a cada ano as redes de TV têm menos audiência e ainda assim a indústria continua fazendo as coisas do mesmo jeito”. Fica a dica.

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Mauricio Stycer, da Folha de S. Paulo