Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A TV Cultura na roda-viva

Marcos Mendonça está feliz da vida. Na segunda semana do mês passado, o presidente da Fundação Padre Anchieta, que administra a TV e a Rádio Cultura, além do canal a cabo Rá-Tim-Bum, voou a Nova York para acompanhar a entrega do prêmio anual Emmy Kids. Voltou com um troféu para o seriado “Pedro e Bianca”, exibido pela Cultura desde novembro de 2012 e considerado o melhor do ano passado. Idealizado pelo cineasta Cao Hamburger, de “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias”, o programa é fruto de uma parceria com a produtora Coração da Selva e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), ligada à Secretaria da Educação do Estado.

Em 31 de janeiro, outra boa notícia: em uma pesquisa encomendada pela emissora britânica BBC, a programação da TV Cultura foi apontada como a segunda melhor do mundo. O canal 1 da BBC aparece na dianteira do ranking, batizado de International Perceptions of TV Quality, feito com base em questionários on-line.

“Nossa qualidade é invejável. Nenhuma outra televisão no Brasil tem uma programação similar”, comemora Marcos Mendonça. Ele reconhece, no entanto, o que não é segredo para ninguém: “O que não temos? Audiência”.

Mendonça assumiu o cargo em junho, em substituição ao economista João Sayad. Ex-secretário estadual da Cultura por duas vezes – a inauguração da Sala São Paulo, a reforma da Pinacoteca do Estado e a transformação do prédio do antigo Deops na Estação Pinacoteca são creditadas a ele –, Mendonça já havia presidido a Fundação Padre Anchieta entre 2004 e 2007. Assumiu o novo mandato empenhado em popularizar a programação. Parece estar dando certo. De lá para cá, os índices de audiência melhoraram um pouco. O “Jornal da Cultura”, por exemplo, tem marcado em média 2,4 pontos de audiência, o dobro do ano passado – cada ponto representa 65.201 televisores ligados. “O maior desafio é aproximar nossas atrações das classes C, D e E, que ascenderam socialmente, mas ainda estão carentes de informação”, diz. A empresa de consultoria Data Popular foi contratada por R$ 90 mil para auxiliar na missão.

O novo formato do programa “Caçadores de Mitos”, exibido pela Cultura às 20 horas, é um exemplo de como Mendonça planeja tornar os programas mais acessíveis. Para apresentar a atração criada pelo Discovery Channel nos Estados Unidos, foi contratado o ex-VJ da MTV Luiz Thunderbird, que grava com um figurino semelhante ao de Walter White, protagonista do seriado “Breaking Bad”. “Continua sendo uma atração importada, mas com cara brasileira”, acredita.

Num domingo

Outras mudanças recentes: a criação de um jornal ao meio-dia e de um programa de debates, o “JC Debate”, a extinção do diário “Quem Sabe, Sabe!”, que havia estreado em maio, e uma série de demissões. A mais comentada foi a do âncora do “Roda Viva”, Mario Sergio Conti, substituído por Augusto Nunes, também jornalista. “Nessa rodada de demissões, a fundação abriu mão de um patrimônio humano que ela própria formou. Foi um desperdício de recursos públicos”, afirma um dos desligados, o jornalista Ricardo Paoletti.

Parte dessas mudanças se deve, claro, a outro problema crônico da fundação: a escassez de recursos. De acordo com um relatório da consultoria BDO, contratada no início da atual gestão, 2013 terminaria com um déficit de R$ 43 milhões. Segundo Mendonça, as providências tomadas permitiram uma redução para R$ 17 milhões, cobertos pelo governo do Estado. “Fizemos um verdadeiro milagre”, sustenta o executivo. “Não devemos nada a ninguém, mas precisamos continuar economizando.”

Os núcleos da rede fazem o que podem com a verba disponível. No jornalismo, 12 equipes de reportagem se desdobram para produzir material para os dois jornais diários. Como o pagamento de horas extras não é permitido, as equipes podem ficar na rua por no máximo seis horas. “Não podemos mandar ninguém para além da Penha, na Zona Leste, porque não dará tempo de ir e voltar”, afirma um editor, que pediu para não ser identificado. Uma rotina matinal dos jornalistas da casa: sair à cata de cadeiras, desproporcional ao número de funcionários.

Segundo Mendonça, o atual orçamento da fundação, de aproximadamente R$ 200 milhões por ano, está muito abaixo do necessário. Metade desse montante é custeada pelo governo estadual e a outra fatia é fruto de patrocínios e parcerias. A que viabilizou a série “Pedro e Bianca” serve de exemplo (estimada em R$ 20 milhões, a atração deverá ganhar nova temporada). O orçamento ideal, nos cálculos de Mendonça: R$ 50 milhões a mais por ano, desembolsados pelo governo estadual.

“Com a verba atual, que só dá para custeio, a TV Cultura está congelada no tempo”, diz o crítico de televisão Daniel Castro. O preço da renovação é alto. Uma atração semanal inédita de meia hora não custa menos de R$ 1,2 milhão por ano. “É por isso que são raras as novidades na programação, em geral preenchida com reprises de programas de 20 ou 30 anos atrás.” Como exemplo, Castro cita o “Castelo Rá-Tim-Bum”, também de Cao Hamburger, “reciclado tanto quanto o ‘Chaves’ no SBT”.

Os anúncios são insuficientes e custam pouco. Uma inserção de 30 segundos durante o “Roda Viva”, por exemplo, o horário mais caro da emissora, sai por R$ 23 mil; no intervalo do “Jornal da Cultura”, o segundo da lista, a inserção custa R$ 17,5 mil. Uma propaganda com a mesma duração na TV Globo pode custar dez vezes mais.

O departamento comercial da Cultura, confiante, espera receber ligações de novos anunciantes. É a eles que se destinam os anúncios que a fundação tem publicado, alardeando a conquista do Emmy e o resultado da pesquisa encomendada pela BBC.

Enquanto os telefones não tocam, a emissora procura novas fontes de renda. Negocia, por exemplo, a venda para o Metrô de um terreno na Zona Norte, avaliado em R$ 64 milhões, que no passado abrigava uma antena de TV. A ideia é aplicar o dinheiro em um fundo de investimentos.

Destino para os eventuais dividendos não faltam. A exemplo da TV Rá-Tim-Bum, presente em 11 milhões de pacotes por assinatura, 5 milhões a mais que em 2007, a Rede Cultura almeja criar três novos canais pagos. Um deles, dedicado à música, exibiria concertos, shows e videoclipes. O segundo seria voltado para documentários e o terceiro teria foco na saúde, para incentivar a atualização de médicos e enfermeiros de regiões remotas do país.

Também estão nos planos investimentos nos dois canais que a fundação mantém no ar, em caráter experimental desde 2009, pelo sistema digital, o Univesp e o Multicultura. O primeiro é destinado a estudantes e professores e o segundo reprisa o que há de melhor no acervo da Cultura. A conclusão da digitalização da emissora está estimada em R$ 30 milhões.

Esse valor é uma fortuna se comparado ao que o governador Roberto de Abreu Sodré pagou ao empresário Assis Chateaubriand pela TV e a Rádio Cultura: 3,5 milhões de cruzeiros. O negócio foi fechado em dezembro de 1967. A Fundação Padre Anchieta havia sido criada dois meses antes, na mesma época em que a marginal do rio Pinheiros começou a ser asfaltada. A primeira transmissão televisiva completa 45 anos em 2014. Ocorreu no dia 15 de junho de 1969, um domingo. Começou às 19h30, com um panorama da capital tomado de um helicóptero, e terminou com um concerto da Orquestra Sinfônica Municipal. “A emissora foi colocada no ar em 17 meses, um recorde”, comemorou um jornal na época. “Custou 70 centavos a cada paulista.”

45 anos depois

No início, a programação se encerrava às 23 horas e atingia só a Grande São Paulo e a Baixada Santista. Passaram-se dois anos até o sinal chegar ao interior do Estado. O horário das 20 às 21 horas era reservado para cursos. A concorrência era pequena. Uma pesquisa daquele período mostrou que 48% das televisões ficavam desligadas no horário nobre. O motivo: a população não gostava do que as outras emissoras exibiam.

O objetivo da Cultura era o mesmo de hoje: ensinar o telespectador sem que ele perceba que está sendo ensinado, de maneira divertida. “O governo do Estado de São Paulo inaugura um milhão e quinhentas mil salas de aula”, lia-se em anúncios de jornais da época. “Cada aparelho ligado será uma sala de aula, um teatro, um cinema de nível, uma escola de arte, um local de diversão de primeira qualidade.”

A TV Cultura conquistou fãs logo de início. E até mesmo antes. Cerca de 350 pessoas enviaram cartas à Fundação Padre Anchieta elogiando o som e a recepção da emissora ainda antes da estreia. Isso porque durante o período de testes ela volta e meia veiculava música clássica e exibia seu logotipo para quem estivesse sintonizado no canal. Passados 45 anos, o prestígio da TV Cultura chega a outras partes do mundo.

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Daniel Salles, para o Valor Econômico