Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O mau gosto goela abaixo

O zapping não resolve o problema. O controle remoto, que seria o salvador, o objeto que abriria as portas à escolha de programas variados – na TV aberta –, continua sendo apenas uma doce ilusão dos telespectadores. É que os programas, especialmente aos domingos, são verdadeiras cópias niveladas a um patamar inferior de produção e criatividade. Nem mesmo a TV Globo, com seu inquestionável padrão de qualidade, escapa a esta crítica. Muito pelo contrário. Reinventado quatrocentas vezes e empurrado goela abaixo todos os domingos, o programa de Fausto Silva é assistido apenas por uma devoção costumeira do brasileiro. Do mesmo modo, o Programa Silvio Santos foi cristalizado: sobrevive graças à imagem e piadas do apresentador e nada mais.

Culturalmente, o dia de domingo no Brasil – e talvez em outras partes do mundo – é escolhido pelas famílias para sair ou ficar em casa assistindo TV. Nada mais natural. O que se questiona é a queda de qualidade dos programas que tentam insistentemente se reinventar, no entanto estão fadados a um sucesso escondido atrás duma audiência orgânica, nada que encha os olhos. Vez por outra, investindo num mecanismo costumeiramente utilizado pela emissora, o Domingão do Faustão cria quadros cujos participantes são astros e estrelas de reconhecida grandeza. Isto não altera em nada a qualidade, que continua extremamente baixa.

A TV aos domingos perdeu o gosto pela satisfação em manter o telespectador pregado no sofá. Perdeu o desejo de entreter, a ânsia por uma produção apaixonante, perdeu a surpresa do “ao vivo”. É tudo tão previsível e tão bem posicionado em cenários espetaculares que começaram a se parecer com gravações de novela. Talvez tenham perdido uma batalha para a internet. Mas ao constatar que a internet é amiga da televisão, nossa emissoras ainda não aprenderam a utilizá-la ou aliar-se a ela. Exibir um quadro de vídeos engraçados que se pode ver a qualquer hora num desses canais de compartilhamento não é uma iniciativa inovadora. Há programas que dispensam um quarto de seu horário com isso.

Atrativa e inovadora

As revistas eletrônicas semanais das TVs Record e Globo são tão parecidas e com quadros tão desinteressantes que às vezes precisam investir em notícias sensacionalistas para chamar a atenção dos telespectadores e da imprensa. Outra tentativa bastante utilizada pelo Fantástico é tentar criar uma consciência no brasileiro, demonstrando algumas circunstâncias adversas do cotidiano e percebendo como as pessoas reagem. Jornalísticas e com conteúdo de entretenimento, as revistas eletrônicas semanais somente se encaixam no domingo quando investem em quadros de fundo educacional ou quando mostram do Brasil aquilo que o Brasil precisa ver, sem ranços, sem ideologias inseridas nas entrelinhas.

A intenção não é ser saudosista. É mostrar que a televisão, não somente no domingo, pode ser mais atrativa e inovadora. Reviver outros tempos, no entanto, é necessário. Se, como dizia o grande Abelardo Barbosa, “na televisão nada se cria, tudo se copia”, o que esperar da TV senão cópias mais profissionais e uma intenção clara de satisfazer os anseios do telespectador?

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Mailson Ramos é escritor, Salvador, BA